segunda-feira, 31 de outubro de 2011

SÉRIE POEMAS

MIRAGEM

O tempo não foi complacente hoje
Nem pretendia. Nunca o será.

O tempo, sem pressa e rápido, me foge.

Descortinará
As pálpebras.

Álgebra
Somando o vazio
Com o psiu
Solitário na madrugada.

Lua estatelada
No céu
Escuro.

Véu
Que cobre o muro
Onde meu carro, imaginando não mais ser matéria,
Encontrará o impacto da realidade crua.

Pior teria sido cortar a artéria
Nua
Do pensamento, antes que a hora passasse
Sem que minha alma se costurasse
À tua.

A rua
Bebe insaciável o meu vinho
E me engole toda dor.

Vinho, derramado vinho. Adivinho
Qual a dor.

Sorrio ao tempo e lhe digo:
Tu e eu somos eternos,
Caro amigo.

O tempo me abraça forte e terno
E desaparecemos dos nossos olhos feito miragem.
Fumaça, névoa, neblina que o vento dispersou na paisagem.

Fábio Roberto

domingo, 30 de outubro de 2011

SÉRIE POEMAS

LÁGRI-MAR

QUERIA SER O MAR
SEMPRE LÁ E SEMPRE EM OUTRO LUGAR
ÁGUAS SEMPRE RENOVADAS IRRIGANDO A TERRA
ÁGUAS QUE REFRESCAM CARINHOSAMENTE CORPOS A SALGAR
OU
QUE DESTROEM VIOLENTAMENTE A CIDADE QUE INDEFESA BERRA

QUERIA SER O MAR
SEMPRE LÁ E SEMPRE EM OUTRO LUGAR
MAS SOU FOGO DE QUEIMAR QUIMERAS
OU
LABAREDA DE ACENDER AS FERAS
SOU FOGO DE AGUARDENTE , UM JOGO A  SE JOGAR

QUANDO CANSADO, O FOGO REFLETIDO EM MEUS FARÓIS
 VER-SE-Á DEITANDO COM O LUAR PELOS QUINTAIS
CANTAREI SUSSURANDO, A ÚLTIMA CHAMA, LIVRE DOS ANZÓIS:
“BEIRA-MAR É UM BOM LUGAR, OLHOS VÃO NÃO VOLTAM MAIS...”

TEREI SIDO FOGO E FINALMENTE... MAR.


Fábio Roberto

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

SÉRIE SEI LÁ

Kardecista de Araque

Sou um kardecista no coração, um ateu na cabeça e um homem-bomba nas atitudes. Porque eu tenho uma mediunidade insuportável. Não posso olhar profundamente o olhar das pessoas, nem de um cão-pessoa. Maldito este dom. Um Inferno este poder. Eu coloco os óculos escuros de manhã, de tarde, de noite, de madrugada e não adianta. Eu vejo. Passado e presente. Acordado, dormindo ou sonhando, se eu olhar eu vejo. Isso basta para vislumbrar o daqui a pouco. Mesmo que um dia eu me torne cego eu já vi, eu vi os olhares, eu entrei dentro deles, eu senti cada riso, desespero, esperança, temor. Eu guardarei em mim, eu vi, eu vejo e não queria saber o que sente cada alma. Eu acabo escrevendo, compondo, descrevendo, vendo...

Olhei, sem desviar, os olhos de um cego e eles, com luz e ao mesmo tempo apagados, eram farol procurando o horizonte e eram farol guiando a escuridão. Que agonia olhar os olhos desse cego.

Olhei os meus olhos no espelho agora.  Rapidamente. Não tive coragem de olhar por mais de alguns segundos. Só os percebi marejarem ondas de alegria. Que medo. Que medo de olhar profundamente nos olhos de alguém. Até de olhar os meus olhos eu tenho medo. Kardecista de Araque!

Fábio Roberto (de olhos fechados)

sábado, 1 de outubro de 2011

SÉRIE TARDES

TARDE NO CEMITÉRIO

Para um coveiro os mortos são os ossos do ofício.

Claro que a tv do coveiro tem fantasmas.

Um coveiro realmente tem que ter presença de espírito.

Para o dono do cemitério um cadáver no caixão vale mais do que dois no necrotério.

Vegetariano pode virar presunto?

Para o defunto tudo são flores.

Existe atitude mais extremista do que dar a extrema unção?

Brancos, negros ou amarelos quando morrem viram cinzas.

Morrer deve sem bom, porque as caveiras nunca deixam de sorrir.

Sempre tem um vivo de olho em uma viúva rica.

Pode fofocar agora porque um dia sua boca será um túmulo.

Nesta sociedade o homem só deixa de ser um cpf quando passa a ser uma lápide.

Epitáfio de viciado: do pó ao pó.

Epitáfio de convencido: meus pêsames para todos vocês.

Epitáfio de indigente: terra à vista!

Os vermes não tem preconceito: não fazem distinção de raça, credo, posição social ou beleza; E a humanidade não consegue...

Para a mulher viuvez é o contrário de gravidez: dói quando o parceiro morre, mas nove meses depois volta com tudo a ativa.

Ironia mesmo é um bombeiro ser cremado.

Ser dono de funerária. Isso é que é apostar no futuro

Quem conta piada em velório acha que existe tumor benigno.

O ateu revirou na tumba quando rezaram uma missa de sétimo dia para ele...

Toda música ruim e de mau gosto é fúnebre.

Fábio Roberto

SÉRIE MÚSICAS

TEATRO


Passando pela vida,
pela curva de qualquer esquina perdida,
o horizonte não se enquadra nos olhos.

Tudo é nuvem espessa, longo caminho.
E todo dia a cortina se levanta.
A história se faz linda, violenta.
O destino improvisa o momento,
deslocado no tempo e no espaço sombrio.
Dramas e comédias de um roteiro
que ninguém escreveu.

Passando por aí,
pela curva de qualquer esquina perdida,
a vida não se enquadra nos olhos
de quem a vê.



              Fábio Roberto (musicado em 1991)