Nada. Nada disso deveria ter acontecido. Maldita hora em que
parei esbaforido nesta padaria pra forrar atrasadamente, pois o horário do
almoço já se perdeu faz horas, o vácuo do estomago com um salgado e refrescar a
mente, a goela e até os pés que latejam dentro dos tênis que os vestem, com uma
cerveja Serramalte, a melhorzinha servida aqui.
Foi me acomodar no banquinho do balcão, na ponta mais
afastada de qualquer gente, e ver você, de quem não sabia há anos e estava
escondida nos recônditos da minha memória ou falta de lembrança. Não que você
tenha tido essa importância toda. Afinal, uma mulher que nem gerou um disco
inteiro ou um livro de poemas, nem posso considerar tão relevante.
Mas como você está jovem e bonita. Tá certo que você é bem
mais nova do que eu, mas o tempo não te consumiu nem um pouquinho. O teu corpo
leve e maravilhosamente torneado continua tentador, tanto que te devoro de cabo
a cabo, de rabo a rabo e de rabo a cabo.
Você permanece a mesma distraída. Sempre agiu como se outra pessoa
no mundo não houvesse ou se o movimento do planeta e seus habitantes não
tivesse importância alguma até você notar. E foi no instante em que eu te
admirava com meus olhos de libido exacerbada, que você me percebeu. E descobri
que, ao contrário do que pensava, eu havia sido profundo demais em seu coração.
O nosso abraço é aquele em que se aperta e não se larga até
algum fato novo apartar. E tinha que surgir o balconista com a cerva e o
salgado bem na hora desse aperto de corpos eletrificados. Você só me diz que
lamenta um dia ter me deixado, que estava com muita saudade, que ainda me ama,
mas que tem que ir embora. E vai.
E eu fico estático, impassível, te vendo ir embora balançando
os longos cabelos pra nunca mais. E então você some dos meus olhos, da minha
memória e até da minha falta de lembrança.
Fábio Roberto