1
Este silêncio profundo antes do dia se preparar pra nascer, revela que a
vida está num sono letárgico provocado pelo medo do minuto seguinte. Os
pássaros, engaiolados neles mesmos, se recusam a cantar para um tempo triste e
sem esperança. Só um bebê ousa gemer baixinho o desespero. A fome é capaz de
tudo...
2
Mas a noite estendeu a escuridão além da hora. Por que abrir os olhos
para a imensidão do nada? Assim o corpo permanece inerte e sem vontade. O fluxo
de pensamentos se depara com o cérebro vazio. O mesmo vácuo que impera nele é o
do mundo lá de fora...
3
Insatisfeito o coração diminui perigosamente o seu ritmo até finalmente
cessar qualquer movimento. A solidão e a frieza da morte rondam a cena. O apito
estridente de aparelhos rompe o marasmo, deixando o ar pesado e tenso enquanto
ocorre o parto do espírito. Agora sim o medo atinge o nível máximo e faz
arregalar os olhos que tentam antecipar o que virá...
4
É assustador saber o que virá, mas muito mais devastador não saber. A
imaginação, com insuportável pavor, faz suar em bicas. Os olhos lacrimejantes perscrutam
os pontos mais distantes da paisagem. A espera é angustiante. A ansiedade vai
corroendo a alma, que se sente queimar no fogo do inferno de todas as culpas e
incertezas...
5
O silêncio é cada vez mais opressivo. A ausência de pensamentos fluindo provoca
uma dor aguda e permanente. E nada, absolutamente nada se move além dos olhos
que se movimentam freneticamente de um lado para o outro. Gotas de suor caem do
rosto encharcando o chão empoeirado...
6
Que lugar será este? Quando ele será? Tudo se resumirá nessa dor
constante e na dúvida de existir ou não? Ah esse sofrimento de não haver
pensamento fluindo e lembrar-se da lua, da lua brilhando no céu, da lua
brilhando no céu de um universo tão vasto e ao mesmo tempo tão pequeno, pois os
olhos com suas visões curtas só alcançam a linha do horizonte. De que adianta
ter asas e nem conseguir rastejar? Resta a ansiedade tenebrosa da eterna espera
pelo que virá.