O Ano Novo resolveu não nascer. De soslaio perscrutou o
ambiente e resolveu continuar no casulo. Não gostou de nada do que viu. Que
adianta chegar e tudo ser igual ou pior? Para que novamente tantas falsas
promessas ou esperanças que seriam frustradas? Que ficasse tudo como estava, o
Ano Velho se perpetuando coberto de insensatez, injustiças e maldades. Quem
sabe a realidade se tornando tão cruelmente perene, pudesse em algum momento a
vida sorver com a língua suas lágrimas.
Decidido e irredutível, o Ano Novo fechou os olhos
e adormeceu na manhã do último dia do Ano Velho. Este, ancião em frangalhos e
com a alma carcomida pela dor, desesperou-se e gritou implorando descanso aos
céus. Os Senhores do Tempo, subitamente surpreendidos pela inusitada ação do
Ano Novo, convocaram uma reunião com todos os Anos Antigos, que estavam muito
mais antigos, pois desde que o mundo se tornara mundo um se somava ao outro sem
recesso, portanto o ano I era o Pai de Todos. O Pai de Todos os anos falou aos
Senhores do Tempo que aquilo era inadmissível, um absurdo, uma afronta. Como
aquele rebento que nem saíra ainda das entranhas da mãe eternidade se rebelava
contra a lógica da existência? Exigiu uma providência enérgica falando em nome
de todos os Anos Antigos e principalmente pelo Ano Velho atual, que tremia em
espasmos desesperados, numa espécie de Parkinson aflorado pelo medo. Mas o que
os Senhores do Tempo poderiam fazer? Não havia como obrigar o Ano Novo acordar
se ele não quisesse. A situação foi piorando e ficando catastrófica, pois no
planeta os preparativos para as festas da virada do ano prosseguiam
despreocupadamente, até que o Ano Velho avisou que exatamente à meia-noite também
adormeceria para o horizonte.
E assim aconteceu. Sob os olhos estupefatos dos Senhores do
Tempo e defronte aos boquiabertos Anos Antigos, o Ano Velho deitou-se em nuvens
ao lado do Ano Novo, apagando-se rapidamente. Silenciosos e num sono profundo,
ambos passaram a sonhar o mesmo sonho: um tempo que merecesse ter continuidade.
Ninguém ainda percebeu que desde aquele dia o ano não muda, não vai pra frente
nem retorna. E os dois ainda estão lá, sonhando. Quem sabe desta vez, quem sabe
desta vez o Ano Novo acorde...
Fábio Roberto
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