Quando abri os olhos hoje o meu coração estava vazio
e frio, distante de qualquer paixão. Tentei me esforçar e me lembrar se um dia eu
amara alguém, por quem eu sofrera ou qual mulher me inspirara. Se uma deusa me
tivera umedecido os olhos de emoção ou me fizera tremer o esqueleto, só de
imaginar o toque poderoso e transcendente que revigorava a minha alma no tempo.
Mas nada me aconteceu na memória. Eu era sem história
e estava ali, apenas, jazendo entre cada ar que respirava e mais nada. Eu, sem
paixão, um ser disforme, indescritível, insólito, insignificante. Não havia som
em mim, pois só a solidão me habitava e nem pensamentos acometiam a minha mente.
Eu era como palavras apagadas, que nem rabiscos na página em branco deixaram
resquícios.
E assim, no absoluto vácuo do meu peito, o coração
palpitava em arritmia assustada, temeroso de nunca mais haver nem dor, nem uma
pontada de agonia e tendo ainda que testemunhar toda a possibilidade de sorriso
ser sugada instantaneamente de forma cruel e sadicamente violenta ao limbo,
pelo simples fato de não ter permanecido em mim um amor sequer.
Mas no meu íntimo mais profundo eu duvidava dessa
falta de sentimentos. Eu tinha a sensação de ter experimentado romances
intensos, relacionamentos dramáticos e aventuras perigosas. Não acreditava que
eu fosse esse personagem destituído de desejos ardentes, afetos fascinantes e amizades
alimentadas por atração que beirava a veneração, o vício, a lascívia e a
imoralidade.
Não sabia se realmente eu houvera acordado, mas quisera
ter recolhido forças e despertado deste pesadelo gritando o nome de uma Musa. O
nome dela, cuja rara e infinita paixão não pudera ter sido explícita e revelada
ao mundo, mas fora cantada em melodias sopradas pelos ventos e rimada em versos
desenhados nas nuvens. A vida, quando morre, sabe que existiu. Então fecho os meus
olhos agora, com a certeza de ter vivido tudo o que escrevi e cantei.
Fábio Roberto
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