Era meio da década de setenta e eu estudava
no Arquidiocesano, aquele colégio de padres diabólicos e irmãos maristas que de
irmãos não tinham nada, só se fossem manos de Satã. Em uma manhã ensolarada eu
saí da escola e fui atravessar a Avenida Jabaquara. Olhei para o lado do fluxo
de veículos e estava livre. Distraidamente não olhei para o outro sentido,
mesmo porque nada deveria vir por ali. Mas veio. Subitamente fui surpreendido
por um táxi Volkswagen que dava ré para alcançar um passageiro e parou
exatamente em cima dos meus dois pés. Aqueles pés preciosos de tantas aventuras
perambulatórias pelo mundo e famosos por centenas de gols, passes milimétricos,
dribles desconcertantes e jogadas mirabolantes realizadas nos campos e quadras
de futebol do Brasil para deleite das minhas fãs e ódio das torcidas dos
adversários. Por sorte o possante acabou atingindo apenas as pontinhas dos
calçados onde havia pouca folga, mas suficiente para me prender colado ao carro
de olhos esbugalhados e com a expressão assustada na face, achando que não
estava sentindo dor porque meus pés teriam sido desprendidos do corpo. Foram
alguns segundos de pânico. Tentei sair dali puxando-me com força, mas realmente
não conseguia. E não pensei em tirar os tênis porque achava que em breve
estaria me esvaindo em sangue. O incauto motorista, sobressaltado, se quedou
paralisado me olhando grudado no automóvel. Eu gritando e tentando empurrar o
fuska com cara de terrorista e ele sem entender o motivo. Felizmente os colegas
mandaram o chofer movimentar o veículo pra frente, liberando os membros que eu
julgava desunidos de mim. Olhei para baixo e não vi o sangue esperado. Apertei
e senti os dedos intactos. Os amigos começaram a gargalhar enquanto eu,
fidalgamente, fingi que nada houvera acontecido. Atravessei o logradouro
aparentando calma, apesar de totalmente encharcado de suor. O automóvel que
tentou olvidar esse crime abriu a porta para o passageiro e partiu como se nem
tivesse provocado uma quase tragédia. Creio que o “barbeiro” do volante tenha
passado a ser mais cauteloso daquele dia em diante. Da minha parte passei a
atravessar as ruas olhando para todos os lados, para cima e para baixo,
independente do fluxo de pessoas, animais, veículos ou aeronaves.
domingo, 6 de novembro de 2022
FABIOGRAFIA PARTE 9 - CAPÍTULO 115 - O ATROPELADO
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