sábado, 16 de julho de 2011

SÉRIE POEMAS

AMAR

Eu penso que amar é para fracos
que se despedaçam em cacos.
Gente que precisa de muleta
pro coração
não ficar jogado na sarjeta
da emoção.
Gente que se vê sem par
e logo corre pro bar
para afogar mágoas,
onde garrafas viram táboas
de náufragos num mar
de solidão.
Abandonam até o lar
na imensidão
de uma tristeza tão dolorida,
maior do que cabe na vida.

É por isso que sou forte
e não amo. Amor é morte.
Vou ao bar beber sem agonia.
Não importa se estou só,
pois mais dia menos dia
todos viraremos pó.
Resistirei, então, eterna e bravamente
a este sentimento
vagabundo, podre e insolente
que me ataca neste momento,
tirando dos meu olhos a cor:

a vontade de amar-te desesperadamente,
como se condenado fosse ao amor.
O que me mataria certamente,
como um inseto mata uma flor.

Devorando-a inteira e lentamente.

Fábio Roberto

quarta-feira, 13 de julho de 2011

SÉRIE MÚSICAS

CÉU E INFERNO

O amor quando céu o amor busca ser.
O amor busca o seu prazer,
Viver.

Mas o amor, quando não, quando nem mais talvez,
É o inferno de não ser mais,
Morrer.

E não olha pra trás, pois tem medo da dor.
Ou tem medo até de não sentir a dor
E de não esquecer
Tal amor que, finito,
Durou só o tempo de ser
Tão bonito...
  
   Fábio Roberto
(musicado em 2007)

terça-feira, 5 de julho de 2011

SÉRIE POEMAS

OLHA MARILI

Olha menina, eu bem te queria
Fazer  uma presa da fotografia
Paisagem rebelde, se esconde,  se mexe,
Fugindo da cena,  das luzes do flash

Mas  não te entendo,  inteira beleza
Refletes no espelho, a  vida em pureza
Saiba menina,  o sonho te espera
Para a primavera vestir teu olhar

Meiga e selvagem, humilde e ousada
Pulsando energia sã, delicada
Arde menina, eu te vejo nua
Como fosses lua beijando a maré

Não tens moldura, retrato fugindo
Deixando alegria, brilhando, se abrindo
E vais declamando poemas assim
Como fosses rio que nunca tem fim

Sobrevoando palavras, menina,
O tempo é um dia que não terminou
Foge menina, teu sonho te espera
Não há uma quimera onde se perder

Anda Menina, pois eu só teria
A minha poesia pra te oferecer
Corra Menina, da minha agonia
Da fotografia que quer te prender...

Fábio Roberto - para Marili Gabriel

SÉRIE TEXTOS

CARTA DE DESPEDIDA

Decidi virar um ermitão. Amanhã irei embora para longe, sem passado. Não tenho grana para deixar. Rasguei todos os meu documentos, cartões de todos os tipos. O violão também fica. Que o pegue quem quiser. As minhas pastas de músicas, os cadernos de poesias, contos e palavras soltas ficarão na gaveta, junto com cds, fotos, filmes e todas as lembranças de quem não sou mais. Os computadores e seus arquivos não me sobram importância. Os bancos que busquem os carros, pois para onde vou só chego com meus pés. Estou muito aliviado em me transformar finalmente num ser arredio e solitário. Prefiro estar a margem desta sociedade cansativa e rotineira. Que bom deixar o cabelo crescer até os ombros, nunca mais colocar um sapato. Não precisar falar bom dia, boa noite, boa tarde, como vai, e aí, tudo bem, quanto tempo, te amo, te quebro, que raiva, que alegria, que merda, que delicia, me liga, quanto custa, quanto falta, que horas são... Que maravilhoso será o silêncio da minha mente ausente de sonhos, desejos, vontades, frustrações, arrependimentos, orgulhos, realizações. Mais nenhuma oração será preciso, darei descanso eterno a Deus. Uma existência sem celular, tv, rádio, notícias, emails, pessoas, bondade ou maldade. A minha boca não sentirá mais os sabores amargos das bebidas que fizeram tão mais doce a realidade que terminou. Deixarei livre todas as pessoas que amo, porque amar de verdade talvez seja assim. Amar e partir. Amanhã, quando subirem as cortinas dos meus olhos, seguirei esse destino derradeiro. Será impossível me seguir porque estarei escalando uma montanha que só eu vejo. E lá na minha caverna, bem no topo, admirando o horizonte do mundo a luz de uma fogueira aconchegante e sentindo o abraço da escura noite, aquela maldita e única lágrima secará em meu rosto. Vou fechar os olhos respirando o cheiro de mato trazido pelo vento e sorrir. Vou voltar a sorrir por estar novamente tão perto e tão longe da vida.

Fábio Roberto

segunda-feira, 4 de julho de 2011

SÉRIE TEXTOS

VIDA

Era uma vez um poeta. Por ser poeta era um sonhador. Por ser sonhador, dele a vida escarnecia, abusava, chegava a judiar. Nem era um tão brilhante poeta, mas vivia tão como poeta que rimava seus passos. Via imagens em preto em branco e as descrevia coloridas, porque as coloridas ficavam lindas romanceadas em preto e branco. Sonorizava batidas de coração com melodias ora suaves ora agressivas. Quando abria os olhos podia ser visto até a primeira geração de suas existências pregressas. Ninguém entendia, nem ele, a confusão de tantas certezas e a resposta habitava em sua alma e nas cicatrizes do seu corpo. Transparente e etéreo que era, o amor o atravessava. Não conseguia reter o amor. Procurava o amor como o olfato ao aroma, ou carbono e água a luz. Mas o resultado da sua fotossíntese era sempre solidão. Assumindo a marginalidade da sua poesia maldita, desistiu de amar. Entretanto, insistentemente continuou a preencher linhas e linhas, palavrando de sentimentos e emoções os passageiros personagens do seu filme. Um dia esse poeta incansável cansou de ser poeta, despertou de todos os sonhos, acendeu a realidade, embaralhou suas rimas, silenciou o coração e desconfundiu-se apagando todas as linhas preenchidas, relendo apenas as cicatrizes d’alma e corpo. Finalmente a luz transformara carbono e água em oxigênio e o olfato encontrara o aroma desse último alento. O poeta sorriu antes do apagar derradeiro de olhos, porque a vida não teria mais a quem desamar e ninguém, absolutamente ninguém havia amado a vida assim intensa, profunda, verdadeira e poeticamente como ele.

Fábio Roberto