domingo, 11 de dezembro de 2022

VINTE DIAS EM UM

 Escrevo estas palavras porque o ano acabou.

Sim, eu sei que ainda é dia onze,

mas se eu disse que minha ansiedade me precede,

o que era doce, salgado, azedo, amargo ou sem sabor,

tudo acabou.

 

Não, não estou fazendo drama, é apenas a vida sendo a vida

e eu sendo o de sempre, pois se o coração bate canções

e a cabeça passeia em poemas distraída do mundo,

saboreando momentos que ainda nem conhecemos,

é porque temos que viver Vinte Dias Em Um,

Somos Um, Somos Um e tantos existem em nós,

até estes muitos nós.

 

Não é fácil sermos intensos nessa medida,

mas quem mandou deixarmos os olhares se encontrarem

de um jeito que torna o tempo sem sentido,

a menos que possamos colar corpos, almas e sonhos,

respirando desejos escandalosos,

indecentes para quem não sabe como é bom,

o néctar que fluímos, exalamos e compartilhamos

com o sangue fervendo paixão que não dorme,

não amaina, não tem pausa nem descanso jamais?

 

Ouça, os fogos espocaram no céu,

as champanhes transbordaram dos copos,

os brindes sinceros ou falsos foram feitos

e os normais já confraternizaram suas esperanças.

Este ano finalmente acabou e agora você pode voltar

para mais Vinte Dias em Um,

Sermos Um.

 

Fábio Roberto

11/12/22



domingo, 6 de novembro de 2022

FABIOGRAFIA PARTE 9 - CAPÍTULO 115 - O ATROPELADO

Era meio da década de setenta e eu estudava no Arquidiocesano, aquele colégio de padres diabólicos e irmãos maristas que de irmãos não tinham nada, só se fossem manos de Satã. Em uma manhã ensolarada eu saí da escola e fui atravessar a Avenida Jabaquara. Olhei para o lado do fluxo de veículos e estava livre. Distraidamente não olhei para o outro sentido, mesmo porque nada deveria vir por ali. Mas veio. Subitamente fui surpreendido por um táxi Volkswagen que dava ré para alcançar um passageiro e parou exatamente em cima dos meus dois pés. Aqueles pés preciosos de tantas aventuras perambulatórias pelo mundo e famosos por centenas de gols, passes milimétricos, dribles desconcertantes e jogadas mirabolantes realizadas nos campos e quadras de futebol do Brasil para deleite das minhas fãs e ódio das torcidas dos adversários. Por sorte o possante acabou atingindo apenas as pontinhas dos calçados onde havia pouca folga, mas suficiente para me prender colado ao carro de olhos esbugalhados e com a expressão assustada na face, achando que não estava sentindo dor porque meus pés teriam sido desprendidos do corpo. Foram alguns segundos de pânico. Tentei sair dali puxando-me com força, mas realmente não conseguia. E não pensei em tirar os tênis porque achava que em breve estaria me esvaindo em sangue. O incauto motorista, sobressaltado, se quedou paralisado me olhando grudado no automóvel. Eu gritando e tentando empurrar o fuska com cara de terrorista e ele sem entender o motivo. Felizmente os colegas mandaram o chofer movimentar o veículo pra frente, liberando os membros que eu julgava desunidos de mim. Olhei para baixo e não vi o sangue esperado. Apertei e senti os dedos intactos. Os amigos começaram a gargalhar enquanto eu, fidalgamente, fingi que nada houvera acontecido. Atravessei o logradouro aparentando calma, apesar de totalmente encharcado de suor. O automóvel que tentou olvidar esse crime abriu a porta para o passageiro e partiu como se nem tivesse provocado uma quase tragédia. Creio que o “barbeiro” do volante tenha passado a ser mais cauteloso daquele dia em diante. Da minha parte passei a atravessar as ruas olhando para todos os lados, para cima e para baixo, independente do fluxo de pessoas, animais, veículos ou aeronaves.


sábado, 5 de novembro de 2022

INSONE

 

Se adormeço uma noite tranquilo,

Tenho o descanso de um justo.

Mas não durmo, lembrando daquilo:

que este mundo é vil e vetusto.

 

Zumbizando na esquina da mente,

Insone, mesmo assim consentâneo.

Pois se durmo, o sonho é premente:

melhor mundo no contemporâneo.

 

O difícil é entender-se no outro.

Só se vê alma estranha e vazia.

Às tragédias a postura é de neutro.

 

Penso, se a bondade fosse idiossincrasia...

Fecho os olhos, me aquieto, me prostro.

É apenas mentira, ilusão, disfasia.

 

Fábio Roberto

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

COMUM

 

Estou cansado de fazer poemas,

Eles já não mudam as pessoas.

Nem quero buscar uma rima,

A linguagem será comum, coloquial.

Os meus sentimentos se dispersaram,

Tanto quanto o pensamento embaralhou.

Tudo porque eu não entendo mais nada,

E o que eu vejo na mesa ao lado

É a transparência da solidão.

O meu violão ficou distante e calado,

Nem mesmo uma corda se arrebentou,

Deixando o ambiente sem canto ou barulho.

E eu nunca quis mudar as pessoas, só o mundo

E os poemas que agora não vou mais escrever,

Por mais que a vontade insista.

Posso até ganhar um sorriso, um beijo,

Uma louca e tarada noite de sexo

Com perversões que só eu pra imaginar

E continuarei inerte, impassível,

Sem escrever, ditar ou me existir em palavras,

Como um bêbado que devorou o alfabeto,

Vomitou todas as letras num bueiro

E se esqueceu de dizer o quanto queria

E amava desesperadamente aquela Musa,

Antes de ficar cansado de fazer poemas.

Só que agora não sei se ainda dá tempo,

Se é tarde ou muito cedo para enviar um whatsapp,

Com apenas mais um poema. Só este, porque cansei.

 

Fábio Roberto

quarta-feira, 13 de abril de 2022

FRAGMENTO


Há momentos em que a melancolia aflora

e a fauna que habita a minha selva ruge,

se a natureza é bela, mas definha, embolora

e a necessidade de salvar a vida urge,

 

quando a minha lágrima interrompe o riso,

do palhaço que esconde a alma atormentada

e deixo-me de ser velha criança, paraliso.

O tempo é a mente lúcida fragmentada.

 

Ah... minha tristeza é quase sem motivo

ou é por tanta coisa que ainda aguento,

passando em cada dor um beijo como unguento?

 

E nasce outro poema cru, subjetivo.

Transborda uma paixão carente de adjetivo,

por ser o meu temor, encanto e alento.

 

Fábio Roberto



sábado, 2 de abril de 2022

LA PUERTA


Hoje bati meu recorde de distração. Perambulava pelo novo lar de lá pra cá e vice-verso, como faço desde os primórdios do andar, para cansar a pressa do tempo e sossegar a impaciência, ensimesmado, sorumbático e imerso em pensamentos caóticos, difusos, criativos ou poéticos que a minha cabeça desenvolvia, quando estas pernas, outrora famosas na prática futebolística até se transformarem em meros apoios de violão, se dirigiram ao meu quarto. Ao me aproximar do ambiente onde pouco durmo, mas espaço no qual processo as mais intensas e variadas atividades, algumas até me fazem suar, houve um súbito e sonoro tóóóóóiiiim...
Foi o som expressado por uma bela batida deste histórico corpinho en la puerta cerrada para mis ojos, expressão que me ocorreu na mente silenciada de imediato para uma canção que deu vontade de compor com letra em espanhol, sei lá por qual motivo.
Ouvi risos e uma voz perguntou-me se eu pensara ser apenas espírito, mas não. Sou ossos e ossos que doem não por ofício, apenas por sacrifício, como disse num antigo poema musicado.
É fato. É comprovado. É científico. Ainda não atravesso las puertas!
Fábio Roberto



sábado, 26 de março de 2022