quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

TRECHOS


1
Este silêncio profundo antes do dia se preparar pra nascer, revela que a vida está num sono letárgico provocado pelo medo do minuto seguinte. Os pássaros, engaiolados neles mesmos, se recusam a cantar para um tempo triste e sem esperança. Só um bebê ousa gemer baixinho o desespero. A fome é capaz de tudo...
2
Mas a noite estendeu a escuridão além da hora. Por que abrir os olhos para a imensidão do nada? Assim o corpo permanece inerte e sem vontade. O fluxo de pensamentos se depara com o cérebro vazio. O mesmo vácuo que impera nele é o do mundo lá de fora...
3
Insatisfeito o coração diminui perigosamente o seu ritmo até finalmente cessar qualquer movimento. A solidão e a frieza da morte rondam a cena. O apito estridente de aparelhos rompe o marasmo, deixando o ar pesado e tenso enquanto ocorre o parto do espírito. Agora sim o medo atinge o nível máximo e faz arregalar os olhos que tentam antecipar o que virá...
4
É assustador saber o que virá, mas muito mais devastador não saber. A imaginação, com insuportável pavor, faz suar em bicas. Os olhos lacrimejantes perscrutam os pontos mais distantes da paisagem. A espera é angustiante. A ansiedade vai corroendo a alma, que se sente queimar no fogo do inferno de todas as culpas e incertezas...
5
O silêncio é cada vez mais opressivo. A ausência de pensamentos fluindo provoca uma dor aguda e permanente. E nada, absolutamente nada se move além dos olhos que se movimentam freneticamente de um lado para o outro. Gotas de suor caem do rosto encharcando o chão empoeirado...
6
Que lugar será este? Quando ele será? Tudo se resumirá nessa dor constante e na dúvida de existir ou não? Ah esse sofrimento de não haver pensamento fluindo e lembrar-se da lua, da lua brilhando no céu, da lua brilhando no céu de um universo tão vasto e ao mesmo tempo tão pequeno, pois os olhos com suas visões curtas só alcançam a linha do horizonte. De que adianta ter asas e nem conseguir rastejar? Resta a ansiedade tenebrosa da eterna espera pelo que virá.

Fábio Roberto
 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

O Bicho

tanto faz qual o passo
o caminho é árduo.
o sorriso não é espelho dos meus olhos nem os olhos refletem a minha dor. mas se descanso, ardo.
as vozes estimulam ora a ir ora a voltar.
e quando chego, tardo.
o que enfrento é improviso. sendo constante, não mais me surpreende.
então eu me carrego, fardo.
lanço sentimentos em escritos e sons.
nesse momento, sou um dardo.
até que a inspiração recusa-me a benção.
filho bastardo.
faço-me incômoda luz de consciência. o dia sempre escurece.
misturo-me nas sombras, pardo.
na beira do perigo preparo o salto.
o impulso de viver retardo.
antes de decidir mostro as garras e as presas ao predador.
fuga ou batalha. leopardo.

Fábio Roberto




quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

UM ÚNICO OLHAR

Tão distante de qualquer distância
Foi talvez aqui
O olhar procurou os olhos
Tão distante de qualquer presença
Foi talvez encontro
Tão distante de qualquer palavra
Foi talvez mensagem
Tão distante de qualquer certeza
Foi talvez resposta
Tão distante de qualquer metade
Foi talvez inteiro
Tão distante de qualquer espaço
Foi talvez paisagem
Tão distante de qualquer qualquer
Foi talvez sorriso
O olhar procurou os olhos
Tão distante de qualquer momento
Foi talvez agora
Talvez meu olhar e talvez teus olhos

Fábio Roberto