domingo, 9 de dezembro de 2018

A BELEZA

Viver é solitário
Uma festa com estranhos
Pesadelo hereditário
Um desejo tacanho
A fé de um otário
Um sorriso de estanho
É certeira punhalada
Traiçoeira madrasta
Uma casa abandonada
Revelação que devasta
Vacilo numa emboscada
A palavra que afasta
É o total desespero
O mesmo de um aborto
Momento de destempero
Passo sóbrio, mas torto
Uma dor em exagero
A ilusão de um morto
É uma pura heresia
O corpo que feriste
Marasmo, maresia
Saudade que persiste
Na alma e na poesia:
Um canto belo e triste
Fábio Roberto

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A CANÇÃO TRISTE

Um coração amargurado tem os seus motivos.
A inspiração que fugiu. 
As mãos que se despediram do tempo.
A chuva que molhou o rosto
e se misturou com as lágrimas de uma dor lancinante,
como a de ver uma criança sofrer.
Não recrimine um coração amargurado, nem os seus motivos.
Pode ser mágoa por amor perdido.
A lua que se escondeu dos olhos pra sempre.
O vento que levou um balão para o céu desconhecido.
O sonho de toda uma vida que se dissolveu
subitamente, como castelo de areia na beira do mar.
Nunca duvide dos motivos de um coração amargurado.
E se for um violão velho e quebrado,
sem melodia, palavra ou voz?
Um pressentimento terrível de partida.
Desespero e tristeza maiores do que as de cão abandonado.
Ou simplesmente o alívio que só a morte traz

Fábio Roberto

MUNDO


segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O TEMPO DE UM SORRISO



E justo quando a conjunção de todos os astros houve em noite bendita,
a minha alma de poeta estava distante, covarde, melancólica e aflita.
A palidez da pele era de cadáver, o espelho mostrava uma face espectro.
Mas se eu fosse tanta coisa ruim assim, eu mesmo me diria: - vai de retro...
Olhando bem no fundo da retina, eu sabia que ainda me existia.
Ousei um desafio aos deuses. Sem resposta, alucinado eu insistia
até que as musas não me trouxeram palavras, me apresentaram a vida
de poeta na essência da poesia, de paixão eterna, mas em momentos combalida.
Descansei nos braços de uma melodia viva, ritmada, indomável, instigante.
Uma rima absurda, irreal, num verso nunca menos que per-verso e delirante.
Escrevi uma pauta sem compassos compostos, só para experimentar a normalidade.
Respirando com faro dodecafônico, só me restou o aroma agressivo da saudade.
Caminho de poeta traz alegria poderosa e deslumbrante, contagia, mas é fugaz.
Onde todos perceberão a guerra das vozes, ele ouvirá o silêncio austero da paz.
Não há como ele dividir, não pode, não deve compartilhar com o amor sua agonia.
Uma existência tão profícua, só dura luz e calor do sol que nasce e morre todo dia.
Fábio Roberto

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

EM QUALQUER LUGAR



Vou embora pra longe, me deixar só.
Não me espere que hoje não volto,
nem amanhã, nem depois.

Eu preciso pensar em nada,
sentir-me absolutamente vazio,
ser ninguém e de ninguém,
apagar meus rastros, vestígios,
sinais, memórias e indícios.

Vou sair à francesa, este filme é de Hitchcock.
A janela indiscreta não mostra nem parte do que vivi.
Muito louca a cabeça sonhando o que é real,
se a felicidade não deixa a dor consumir-me ao fim.

Vou embora, mas saiba, não estou a fugir.
Isso tá mais com cara é de Baudelaire.
Eu preciso que tenha muito do que beber por lá.
Não me espere que hoje não volto,
nem amanhã ou depois.

Fábio Roberto



domingo, 9 de setembro de 2018

INSÔNIA

Uma parte lutava pra dormir,
a outra insistia em pensar.
Fazendo uma parte se coçar,
a outra adorava oprimir.
Uma parte começou a deprimir,
outra não deixou de lhe espicaçar.
Essa parte só deixou de ameaçar,
quando a outra irritada fez bramir.
E assim noite adentro a esgrimir,
uma parte viu o tempo passar.
Desejando mais um pouco troçar,
a outra ficou a se consumir.
Breu confuso lhes restava exprimir.
Não puderam ou souberam conversar.
Duas vozes: a insônia a engessar
a ideia que nasceu só pra sumir.

Fábio Roberto

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Frases

Aperto
Para quem está com diarreia mais vale um penico do que um banquete.
Faminto
Para quem está com fome mais vale um ovo estrelado do que um céu idem.

Faroberto
do Livro das Frases, Questões e Trocadilhos

sábado, 25 de agosto de 2018

POST MORTEN



Queria te dizer uma palavra de alento,
só que o meu peito se abriu antes
que você percebesse o movimento
errado, estranho, frio, deselegante,

dos seus passos e pensamentos.

Sinto dizer que agora é além de tarde.
Nenhum amor ou resto de nós nos sucedeu.
Não adianta gesto, choro ou alarde.
Cada um dos nossos olhos já entardeceu

e é impossível ressuscitar os sentimentos.

Não somos sombra ou mito do que fomos.
Só emitimos este canto suave, lindo e fúnebre,
réstia da lembrança onde nos decompomos
tempo sem esperança, dolorido, lúgubre

inteiro e em pedaços, partes, fragmentos...


Fábio Roberto


sexta-feira, 24 de agosto de 2018

IDADE

A enganosa vingança do feio recalcado é quando o bonito envelhece e esse feio acha que o bonito finalmente ficou feio também. É que sendo feio por dentro e por fora ele não enxerga a beleza de almas sem idade.

Faroberto

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

CARRO


Pisei no freio e ele falhou. Como sempre falo, nada me segura!

Faroberto



terça-feira, 21 de agosto de 2018

SEDE


Pode a palavra apagar
Pode o canto emudecer
Mesmo se o dia dormir
Sem que haja anoitecer

Pode parar de brilhar
Uma estrela ao morrer
Um rio não mais navegar
E a saudade esquecer

Nossa história

Eu lembro como fosse agora
Cravei as mãos nas tuas costas
Deixando dor/prazer marcados
No corpo que era a minha cama

Gemidos congelaram as horas
Os gritos excitaram as velas
O fogo mordendo os lençóis
Deu sede que bebi teus lábios


Fábio Roberto



segunda-feira, 13 de agosto de 2018

HERMETO PASCHOAL


Fabiografia Parte 9
CAPÍTULO 99 - OS SHOWS DA VIDA
Sexta estória

HERMETO PASCHOAL
Se fosse verdade a quantidade de gente que afirma ter estado no Show do Hermeto Paschoal e banda no TUCA, aquele que virou lenda urbana, o público lotaria um Morumbi. Realmente o teatro estava absurdamente lotado e posso dizer que Jairo Medeiros, Marcos Araújo, Titi Trujillo e eu estivemos lá. Aliás, depois que vimos o Bruxo atuar ao vivo pela primeira vez, comparecemos em muitas outras oportunidades para reverenciá-lo. A banda era de impressionar desde o mais aficionado e purista fã de jazz até o vanguardista mais radical e revolucionário, pois Hermeto é tudo e mais um pouco. Ele é um som. É o som na essência física, etérea, espiritual.

O grupo de multi-instrumentistas virtuoses se revezava em teclados, cordas, sopros e percussões. Bombardino e tuba numa banda, por exemplo, eram muito raros de se poder apreciar, mas os músicos de Hermeto os tocavam.

Entre tantos músicos fantásticos, discípulos do Mestre, dois eu tive oportunidade de acompanhar mais de perto depois. Carlos Malta, o mago dos sopros, em apresentações solo ou com outros artistas, e Itiberê Zwarg, baixista e pianista que dava umas canjas surpresa na banda que acompanhava Sonia Santhelmo na Baiúca Roosevelt. Coincidentemente, quando Sonia começou a cantar tempos antes na Baiúca Jardins, o trio de músicos era integrado pelos irmãos do Itiberê, o pianista Mário Zwarg e o baixista Ipojucan Zwarg.

Naquela noite no Tuca o show de Hermeto, que costumava ser longo, transcendeu tempo e espaço. Explico. Transcendeu o tempo porque o evento pode ter durado cinco horas ou dois dias, pois todos ali perderam a noção. Lembro que foi um espetáculo onde o Bruxo dedicou-se muito ao piano, inclusive tocou uma música composta na hora, tão divinamente bela e delicada, que só lágrimas de emoção podem expressar o sentimento ao escutá-la. E transcendeu o espaço porque os limites das paredes do teatro não seguraram Hermeto e banda, que pegaram instrumentos, desceram do palco, andaram pelo meio da plateia e saíram pra Rua Monte Alegre com o público atrás, tocando para uma lua espantada e com as estrelas servindo de holofotes. As luzes dos prédios vizinhos também se acenderam, as cabecinhas nas janelas e sacadas se maravilharam com o episódio improvisado. Subimos e descemos a Monte Alegre atrás de Hermeto e banda junto com o povo, completamente enfeitiçados, todos em puro êxtase.

Felicidade não é efêmera quando nascida da arte. Estamos todos lá e dentro de nós, sorrindo, dançando e cantando até hoje: Hermeto, Banda, Povo e nossas felicidades.

Fábio Roberto


RAUL SEIXAS

Fabiografia Parte 9
CAPÍTULO 99 - OS SHOWS DA VIDA
RAUL SEIXAS
O saudoso maluco beleza Raul Seixas tinha um público enorme e fiel, que o acompanhava nas apresentações e tocava suas canções em todas as rodas de viola das turmas não convencionais de Sampa. Não sei como nasceu a bobagem pejorativa da expressão “toca Raul”. Talvez porque seu público executava as músicas de forma muito simples. Mas Raul é um artista revolucionário na composição, que mistura diversos ritmos com o rock, tem ótimo nível poético, desenvolvido em temas polêmicos e fora de padrões, sendo ainda inovador na sua postura artística e pessoal, como contestador de conceitos, filosofias e sistemas sociais.
O show que assistimos foi na quadra do Cursinho Equipe, pois o teatro era pequeno demais para Raul. Nessa oportunidade ele exibiu-se levemente embriagado, o que se notava pelo andar meio cambaleante, mas a voz e a performance estavam excelentes. Isso foi por volta de 1980, época em que Raul criou o “Rock das Aranhas”, cuja letra ele dizia ser uma homenagem ao não contato das coisas, uma sátira bem humorada ao homossexualismo.
A composição acabou tendo a sua execução pública proibida pela censura, só que nessa tarde ele cismou de cantá-la. De repente dois meganhas da polícia federal invadiram o palco, se identificaram, impediram Raul de continuar o rock que mexia com as estruturas e tentaram retirá-lo dali. A reação do público foi tão violenta que os fardados desistiram imediatamente da empreitada. Pois Raul voltou ao microfone e não intimidado com a confusão, leu parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo aplaudido efusivamente e de pé por minutos. Raul Seixas levou o espetáculo até o seu final de forma irreverente e desafiadora. Diz a lenda que ele foi preso temporariamente depois do show.
Jairo Medeiros, Titi Trujillo e eu jamais esquecemos que testemunhamos esse grande ícone do rock brasileiro enfrentar a Ditadura com tanta coragem e talento.
Fábio Roberto

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

A COR DO SOM

Fabiografia - Parte 9
Capítulo 99 - Os Shows da Vida
Quarta estória:
A COR DO SOM
O Grupo “A Cor Do Som” integrado pelo eletrificado Armandinho, um dos maiores guitarristas da música internacional, fazia espetáculos impossíveis de serem assistidos sentados. Na verdade era uma farra, onde se pulava o tempo inteiro ao som alucinante da banda. Era uma época em que podíamos ser politicamente incorretos, não havia tanto mimimi, tampouco assédios forçados. Nos shows as pessoas se encostavam, se pegavam e deixavam rolar o que o sentimento da hora comandasse.
E lá estávamos Jairo Medeiros, eu e Titi, este último dotado de longos e bem cuidados cabelos. Tão atraentes que o negão que dançava atrás, imaginando que em sua frente rebolava uma donzela, abraçou o Titi bem forte. Quando este virou o rosto extremamente sério sem dizer palavra e com aqueles olhos arregalados tipo Jack Nicholson em “O Iluminado”, eu juro, o Negão ficou pálido! Balbuciou palavras tentando se explicar, enquanto Jairo e eu riamos incontrolavelmente.
Antes de Titi falar algo, o incauto Negão desapareceu sem nem saber se o nosso amigo tinha se apaixonado! Devem estar correndo até hoje, o Titi e o Negão.
Fábio Roberto

terça-feira, 7 de agosto de 2018

ALCEU VALENÇA

Fabiografia Parte 9
CAPÍTULO 99 - OS SHOWS DA VIDA
A terceira estória:
ALCEU VALENÇA
Décadas atrás li num jornal uma pequena matéria sobre um cantor nordestino que havia percorrido o centro de São Paulo de megafone, divulgando o seu show que aconteceria num teatro da Avenida São João. A sua primeira apresentação não tivera público, então o artista foi à luta. Isso ficou na minha cabeça porque Alceu Valença havia me impressionado num festival da TV Globo com a música “Vou Danado pra Catende”, onde a crítica especializada o apelidara com sua banda de Pink Floyd do Sertão. Quando soube que ele se apresentaria no Teatro Equipe, um dos espaços musicais que frequentávamos assiduamente, eu chamei Titi Trujillo, Jairo Medeiros e fomos lá.
O diminuto teatro estava lotado e foi uma apresentação performática e musical memorável, ousada e bem humorada. Alceu chegou até a tentar construir uma “obra” empilhando cadeiras de madeira, que obviamente foram todas ao chão. Passamos a acompanhar por anos esse grande artista, até que a fama o tirou dos espaços alternativos da cidade.
Mas antes disso fomos a um show dele no Tuca. Chegamos cedo, mas aos poucos a enorme fila na entrada foi se avolumando e as pessoas se aglomerando ao ponto de ficarem literalmente grudadas umas nas outras. Em um momento bem sufocante eu fiquei entre duas garotas desconhecidas e não havia como nenhum de nós nos mexermos. A menina de trás me encoxava tão colada que eu sentia a sua respiração quente e sua boca resvalando no meu pescoço. E eu encoxava a moça da frente já quase me excitando com a involuntária, mas prazerosa situação. Até que a jovem, com extremo bom humor, virou a cabeça de lado, sorriu graciosamente e falou pra quem quisesse ouvir: - o chato é que aqui está tão apertado que nem dá pra sentir tesão! Saudades daqueles shows do Alceu...
Fábio Roberto

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

LÔ BORGES

Fabiografia Parte 9
CAPÍTULO 99 - OS SHOWS DA VIDA

Esta é a segunda estória do capítulo:

Como os parceiros Beto Guedes e Milton Nascimento, Lô Borges também tem conhecida timidez, talvez característica dos músicos do Clube da Esquina, mas no caso dele mais fora do que dentro dos palcos, onde apresentava seu brilhante repertório sempre acompanhado por banda de alto nível.
Titi Trujillo, Jairo Medeiros e eu fomos a um show dele no Teatro Getúlio Vargas, mas não sem antes fazermos o Jairo assinar um termo se comprometendo a não solicitar músicas ao artista, para não repetir o episódio do show do Beto... Neste, tudo transcorreu muito bem e nos deslumbramos com o som do admirado compositor.
Terminado o espetáculo nos dirigimos ao boteco que ficava ao lado do teatro, para refrescar as gargantas e comentar arranjos e execuções das composições. Tinha pouca gente no bar e quando estávamos na terceira ou quarta cerva entrou o Lô, logo depois seus músicos e pessoas da sua produção. O cantor sentou-se ao balcão e pediu uma aguardente, que servida bebeu de uma vez. Pediu outra dose e ficou ali sozinho, calado com os seus pensamentos por poucos instantes. Sim, a paz do pós-show do artista durou pouco.Enquanto Jairo entabulou conversação com o espontâneo e receptivo baixista da banda, que já ficara amigo no boteco antes do show, Titi abriu grande sorriso, levantou da cadeira e antes que pudéssemos impedir sentou-se ao lado do Lô Borges dando abraço, pedindo autógrafo e falando sem parar. A produção pagou a conta, levando Lô e banda rapidamente dali.

Depois disso fizemos Titi assinar um termo se comprometendo a nunca mais abordar artistas daquela maneira. Pelo que lembro, no caso dele não adiantou!



domingo, 5 de agosto de 2018

BETO GUEDES


Fabiografia Parte 9
CAPÍTULO 99 - OS SHOWS DA VIDA

Contei no início da Fabiografia que uma das minhas principais atividades na juventude, principalmente com os parceiros Titi e Jairo, era ir a shows numa época em que São Paulo tinha uma infinidade de teatros apresentando espetáculos a preços aceitáveis.
Assistimos a vários artistas consagrados, alguns completamente desconhecidos e muitos que iniciaram carreira para se tornarem depois grandes ídolos da MPB. Comparecíamos em pelo menos dois shows por semana, nos espaços que se transformariam em verdadeiras lendas da cidade, como o saudoso Teatro Lira Paulistana, reduto da música de vanguarda que emergia em Sampa no final da década de setenta para o início da década de oitenta.
Muitas estórias curiosas aconteceram nessas oportunidades, inclusive antes dos espetáculos. Encontrar e bater papo com Plínio Marcos, um dos dramaturgos brasileiros mais importantes, vendendo seus livros para as pessoas nas filas das bilheterias era uma constante. Vez ou outra até conversávamos em algum boteco próximo aos teatros, com músicos que iriam tocar num show, como fizemos com o baixista que acompanharia Lô Borges no Teatro Getúlio Vargas.
Vou postar algumas dessas estórias de que lembramos fatos que nos marcaram. Lá vai a primeira:

BETO
O mineiro Beto Guedes tem conhecida timidez. Às vezes dava a impressão de estar tocando de costas para não ter que olhar o público. Pouco interagia conversando com os fãs, o que ninguém reclamava, pois a plenitude do seu som embevecia a plateia.
Em show anterior ele havia apresentado uma composição dedicando-a ao pai, chamada “Casinha de Palha”. E num outro realizado no Teatro Getúlio Vargas logo depois desse fato, Beto e suas músicas provocavam intensas emoções ao público. Bem no meio do espetáculo, entre uma canção e outra, assim que se encerraram os calorosos aplausos um silêncio respeitoso tomou conta do ambiente, antes da próxima música deleitar os espectadores. Foi aí, exatamente nesse curto instante em que não cabia nem sílaba, que o amigo Jairo se levantou e irrompeu a ausência de qualquer barulho gritando a plenos pulmões: - toca Casinha Brancaaaaa!
O público que estava mudo, mudo continuou. Beto Guedes paralisou-se espantado. A banda permaneceu petrificada e eu comecei a gargalhar, o que não parei de fazer até hoje. O artista, suando frio e gaguejando, começou a cantar meio sem jeito... “moro, numa Casinha de Palha...” virado diretamente ao Jairo. Foi um momento histórico e inesquecível!

sábado, 4 de agosto de 2018

GIRASSOL


Solar
Solar o sol
Solar o ar
Solar o sol, o ar

Solar
Solar o sol
Solar o lar
Solar o sol, o lar

Solar
Solar o sol
Solar o solo
Solar o sol, o solo

O sub-sol
O sub-ar
O sub-lar
O sub-solo

Solar
O girassol
Solar o sol
Solar o som do sol


Fábio Roberto
Musicado em 1981



terça-feira, 31 de julho de 2018

ROUXINOL

Não há martírio
Apenas o mar do delírio
Que beija os pés cansados
Enquanto abraço o vento
Que me integra ao sal
Que desintegra o mal
E procura a cura
Na dobra do tempo
Não há solidão
Apenas o sol na imensidão
Que alimenta
A alma e o corpo
E enquanto me aqueço
Enquanto me esqueço
Ouço um som tão repentino
Harmonioso e belo
Que saboreio o destino
Fábio Roberto
Musicado em 1996


segunda-feira, 23 de julho de 2018

A MOSCA



O tempo parece estar parado. Nada se moveu por uma eternidade até uma mosca pousar subitamente em meu nariz. Não sei por que não consegui mover braços para espantá-la, quando lembro imediatamente da canção “eu sou a moscaaaaa...”.

A Brachycera voou e o tempo pareceu parado outra vez, mas há um ventilador girando segundos lentamente. Tão lentamente que não sinto o vento que ele faz. Aliás, nem sinto calor. Percebi que nem pisco, afinal o tempo parece não passar. Somente a mosca vai e volta. Ela tem asas e olhos enormes que me fitam fixamente, assim tenho certeza de que o tempo está inerte. Nos brilhantes olhos da mosca vejo refletido um ambiente morto. Como se fosse um fúnebre desenho. Mas não sei como é possível haver movimentos numa imagem estática. Como pode a mosca voar e o ventilador girar, mesmo malemolente, com o tempo e tudo mais imóveis? Por que não levanto, balanço pernas ou simplesmente grito?

Descubro agora o motivo dos meus olhos não piscarem. Eles estão fechados como a porta que também se fecha, não antes de alguém desligar o ventilador e apagar as velas. Aqui somente a mosca continuará voando até cumprir seus trinta dias de vida e o tempo definitivamente parar.

Fábio Roberto
Do Livro de Textos e Crônicas



sexta-feira, 20 de julho de 2018

INIMIGO MEU


Que bom, inimigo,
que você não baterá na minha porta.
Isto me conforta
e nunca mais deixará de assim ser.

Que bom, inimigo, não ouvir mais a tua voz,
falando em vão meu nome toda hora
para o mundo,
querendo me pegar na esquina
só porque beijei tua menina.

Agora isso deixará de assim ser.

Que bom, inimigo, que ao soar a campainha,
não precisarei tirar a espada da bainha.
A vida deixou de ser uma rinha
e tua mulher passou a ser minha rainha.

Apesar de que isso nunca deixou de ser.

Adaptando do ditado popular, inimigo,
sem remorso algum te digo:
“Morreu um inimigo meu, antes ele do que eu”

Faroberto



domingo, 15 de julho de 2018

Copa 2018- final


 Espetáculo! Parabéns Croácia pela luta e França pelo bi, mas...


terça-feira, 10 de julho de 2018

O BANQUINHO


Nada. Nada disso deveria ter acontecido. Maldita hora em que parei esbaforido nesta padaria pra forrar atrasadamente, pois o horário do almoço já se perdeu faz horas, o vácuo do estomago com um salgado e refrescar a mente, a goela e até os pés que latejam dentro dos tênis que os vestem, com uma cerveja Serramalte, a melhorzinha servida aqui.

Foi me acomodar no banquinho do balcão, na ponta mais afastada de qualquer gente, e ver você, de quem não sabia há anos e estava escondida nos recônditos da minha memória ou falta de lembrança. Não que você tenha tido essa importância toda. Afinal, uma mulher que nem gerou um disco inteiro ou um livro de poemas, nem posso considerar tão relevante.

Mas como você está jovem e bonita. Tá certo que você é bem mais nova do que eu, mas o tempo não te consumiu nem um pouquinho. O teu corpo leve e maravilhosamente torneado continua tentador, tanto que te devoro de cabo a cabo, de rabo a rabo e de rabo a cabo.

Você permanece a mesma distraída. Sempre agiu como se outra pessoa no mundo não houvesse ou se o movimento do planeta e seus habitantes não tivesse importância alguma até você notar. E foi no instante em que eu te admirava com meus olhos de libido exacerbada, que você me percebeu. E descobri que, ao contrário do que pensava, eu havia sido profundo demais em seu coração.

O nosso abraço é aquele em que se aperta e não se larga até algum fato novo apartar. E tinha que surgir o balconista com a cerva e o salgado bem na hora desse aperto de corpos eletrificados. Você só me diz que lamenta um dia ter me deixado, que estava com muita saudade, que ainda me ama, mas que tem que ir embora. E vai.

E eu fico estático, impassível, te vendo ir embora balançando os longos cabelos pra nunca mais. E então você some dos meus olhos, da minha memória e até da minha falta de lembrança.

Fábio Roberto


segunda-feira, 9 de julho de 2018

O SONHO

Não existe um botão pra acionar o sonho.
Ele vem, ele vai quando quer.
Então há que se viver a vida,
seja a realidade que houver.
Seja bem vinda a vida,
que afaste o pesadelo medonho.
Adormeço a alma dolorida,
guardo em meu corpo o sonho...
Fábio Roberto


sábado, 7 de julho de 2018

PALAVRA QUALQUER


Não deve estar muito longe
De algum distante lugar
Numa saudade, num grito
Num tempo louco qualquer

E a palavra sincera foi o sorriso quem disse

Não deve estar muito longe
Outro sincero lugar
Outra saudade, outro grito
Outro sorriso qualquer

E a palavra bonita paira esquecida no ar

Era palavra o silencio
Era palavra o sorriso
Era lugar mais bonito
Viver

Fábio Roberto
Canção de 1983



quarta-feira, 4 de julho de 2018

SEM MOTIVO

Madrugada assiste o meu cansaço
Vislumbro qual destino em um bocejo
Pergunto a mim mesmo o que desejo
Viver ou adormecer feito um bagaço
Cítrico de suco já espremido
Crítico de sangue já exaurido
Artístico de um palco escarnecido
Artrítico de um corpo envelhecido
Escolho não saber mais quando vivo
Procuro nem saber se adormeço
E fico assim parado sem motivo
Olhando pro infinito até que esqueço

Fábio Roberto
Canção de 2018

sexta-feira, 29 de junho de 2018

HEIN?

Faço poemas pra Musas
-Sacana!
Chamo uma puta de puta
-Canalha!
Digo-me maldito errante
-Psicopata!
Tinjo-me de suavidade
-É gay!
Cortejo quem me atrai
-É casada!
Desdenho quem me enoja
-Vai lá!
Agrido quem merece
-Violento!
Revelo as verdades
-Tarado!
Vomito a sociedade
-Hipócrita!
Isolo-me nas festas
-Estranho!
Sorrio pra desgraça
-Interna!
Choro a beleza
-Piegas!
Acendo uma paixão
-De novo?
Esqueço uma paixão
-De novo?
Tranco o coração
-Que é isso?
Faço uma canção
-Trabalha!
Brindo por viver
-É bêbado!
Distraio-me sonhando
-Drogado!
Desejo só morrer
-Suicida!
Eu olho para frente
-É surdo!

Fábio Roberto
Do livro dos poemas

terça-feira, 26 de junho de 2018

RETICÊNCIAS

Qual é você?
Quem é o seu tempo?
Quando o seu sorriso é maior que felicidade?
Por que eu não te sinto abraço?
Paro de perguntar.
Todas as respostas são uma só:
o talvez que as reticências do teu rosto expressam sem deixar dúvidas!

Fábio Roberto
Do livro dos Poemas

terça-feira, 19 de junho de 2018

VÉIA CÔMICA

Achou-se derramado na sarjeta
O bom humor de algum pobre gaiato
Quem encontrou nem quer ganhar gorjeta
Só quer felicidade sem hiato
Terá sido a alegria posta fora?
Terá sido perdida numa farra?
Será que foi por causa da demora
De alguém em se livrar de dura barra?
Se bocas orgulhosas mostram os dentes
E os risos se transformam em gargalhadas
Serão as faces sérias de doentes
Sem espírito, de vidas empalhadas?
A graça é esquecida em abandono
Por gente que acredita em um ditado:
"Do próprio cu o bêbado não é dono"
Não pode nem beber esse coitado
Mas quem sabe até seja apenas
A diversão atravessada na goela
Brincadeira não o salva, nem novenas
Não ri por sua alma estar banguela

Fábio Roberto
Do livro dos Poemas

domingo, 17 de junho de 2018

O MOTOR

Movimenta-se lento o êmbolo
Visão turva, a imagem embola
Pele carcomida que se esfola
Fraco, cansado, trêmulo
O sangue entope a máquina
Resultando em um coágulo
Paralisando o veículo
Prostrado sobre uma isnáquia
Deslizar é passado
Foram-se cilindros e anéis
Desligaram-se painéis
Nada a ser lubrificado
Não pode ser ressuscitado
Que rezem por ele os fiéis

Fábio Roberto
Do Livro dos Poemas

sábado, 16 de junho de 2018

VOZES

Voluntário ou não o poema surge na cabeça.
Não há porque temê-lo,
Só faço escrevê-lo,
Como se fosse do teatro uma peça,
E musicá-lo.
Dentro de mim há intensa vida,
E o sentimento não calo,
Seja chegada, seja partida,
Seja pra amada, seja ferida...

Fábio Roberto
Do Livro dos Poemas


terça-feira, 12 de junho de 2018

PELO CONTRÁRIO

Se você é contra o sistema, contra tudo, contra todos, contra isto, contra aquilo ou muito pelo contrário, eu apelo que a partir de amanhã não corte cabelo, barba, bigode, pelo de nariz ou ouvido e não depile pernas, axilas ou partes íntimas. Como todos os protestos, este também não vai mudar nada no mundo, mas pelo menos ninguém precisará procurar pelo em ovo.


Faroberto


segunda-feira, 11 de junho de 2018

AMOR À PRIMEIRA VISTA

Resolvi encontrá-la amanhã. A minha namorada, uma mulher especial. E eu vou me apaixonar por ela instantaneamente. Em minutos escreverei três livros de poemas a ela dedicados. E serão compostas por mim, em menos de meia hora, uma centena de músicas inspiradas por essa Musa.
Ela, com seu jeito ora tímido ora maroto, conquistará meu coração com tanta força que a pedirei em casamento amanhã mesmo. Com um sorriso resplandecente, amanhã ela dirá sim. Amanhã nos enlaçaremos e vamos nos amar tão intensamente que geraremos nossos filhos, que ainda amanhã crescerão belos e saudáveis.
Nós seremos eternamente companheiros amanhã. Envelheceremos juntos vivendo esse dia de forma violentamente verdadeira. O tempo não terá para nós nenhum sentido. Não nos fará falta, nem nos sobrará. Só nos importará o dia de amanhã. Não anos atrás, que nem existiram. Não ontem, quando não existimos realmente porque nosso amor não existia.
Renasceremos amanhã com o nosso amor. Sem pressa. Sem passado. Sem futuro. Um amanhã que nunca acabará e deixará o depois de amanhã sem ter o que fazer, estático, num perpétuo aguardar sem nem poder admirar o nosso amor que nunca terá acontecido ontem. Por ter nascido e vivido dessa forma impossível, invejada, platônica, onírica, romântica, perfeita, loucamente apaixonada, utópica, lírica, mágica, totalmente e somente amanhã.

Fábio Roberto
Do Livro dos Textos

domingo, 10 de junho de 2018

SERVIÇOS PÚBLICOS OU PRIVADOS

O que se fala da qualidade dos serviços públicos é impublicável.
Podemos exemplificar a qualidade dos serviços privados dizendo que está igual aquilo que se encontra nas privadas.
Com a iluminação pública só dá pra ver claramente a péssima iluminação pública.
Opções de velocidade de internet: planos lesma, tartaruga, bicho-preguiça ou barrichello.
O saneamento básico está cheirando mal.
A coleta seletiva está um lixo.
Ninguém coloca a mão no fogo pela qualidade da água.
A telefonia celular é perfeita. Para surdo-mudo.
Ônibus ou metrô no horário do pico é o fim da picada!
O sistema de saúde está em estado terminal.
Até o caixa do banco chamar a sua senha os juros, o dólar e a inflação aumentarão 12%. Mas a economia continuará bem. A economia dos bancos.
É totalmente inseguro até comentar sobre segurança pública.
É injusto dizer que todo político rouba. Existem também os que furtam
e os que assaltam!
O nível da educação? Educação é o c......!

Faroberto

terça-feira, 5 de junho de 2018

LÓGICA

Quem me diz um cara agoniado?
Falam-me insano, melancólico?
É meu pensamento claro e estoico, 
marginal, estranho e desviado.
Fora de controle e equilíbrio.
Longe de conduta elogiada.
De reputação pouco ilibada.
Átomos na mente de um ébrio.
Esta consciência incandescente,
confunde fusa, mínima, colcheia.
Semibreve eu faço o impensável.
Viver o sonho eterno, de repente
palpável, comestível e potável.
Pacto do sangue com a veia.

Fábio Roberto
Do Livro dos Poemas


domingo, 3 de junho de 2018

PONTO DA SURPRESA

estou cansado mas não consigo e não quero parar então continuo e vou indo sem pausa sem reabastecer as energias sem acomodar o corpo sem fechar o olhos sem esticar os ossos numa cama ou chão e com os meus músculos rígidos sem relaxar sigo adiante sem interrupção sem repouso pois não há intervalo para afrouxar os passos ou motivo para diminuir o ímpeto de ir em frente e assim vou sem suspender o ritmo das pernas que andam nesse compasso rápido sem se deterem por nada com a mesma intensidade sem decrescerem a velocidade sem sustarem o movimento sem cessarem a ação portanto eu nem olho para trás para não perder um segundo sequer de espaço futuro caminhando assim sempre ao além do possível além das forças além da vida além do sonho para chegar ao ponto de descanso e com a vontade de ultrapassar todos os limites prosseguir para mim não existe ponto final vírgula ou reticências e só vou parar numa exclamação de alegria ou dor

Fábio Roberto
Do Livro dos Poemas