sábado, 31 de agosto de 2019

DESESPERO


Eu não tenho mais motivos
E igualmente eles não me têm
Seja pra continuar a vida
Seja pra morrer, também
Tanto faz tamanha a minha fome
Muito eu faria por imensa sede
Não importa que o sangue não sacie
Nem quando o fato encontra uma parede
Mesmo que eu sonhasse paisagens belas
Eu as veria com olhos de rua
Se na sarjeta a emoção dormisse
Feito o adeus de uma Musa nua
E nela eu perdesse os meus pensamentos
Porque em mim talvez fosse ela eterna
Quem sabe nunca houvera existido
Ou sido a luz no fundo da caverna?
Queria eu o fim da minha história
E junto com ela a gana por vingança
É um desespero ainda ter vontades
Sorrir, assim, como sorri criança
Fábio Roberto

terça-feira, 27 de agosto de 2019

FRAME


Nada disso está acontecendo agora.
A vida é um pesadelo contínuo.
Um filme de roteiro repetido.
Poema plagiado da história.

Respira-se a fumaça densa e escura
das chaminés, queimadas e escapamentos.
Bebe-se o esgoto despejado na esperança,
que longe se afogou no desprezo ao oceano.

O lixo alimenta os poucos ossos que restaram,
da fome que assustou o romper do dia
que é frio, cruel, duro e desalmado,
igual os zumbis que ainda passeiam na paisagem.

Um relógio quebrado enfeita o pulso de um cadáver,
cuja mão acenou pra solidão da chuva tóxica,
poluída e ácida, que banha tudo e envolve feito lava,
mas vejo que nada disso está acontecendo agora.

Fábio Roberto


sábado, 10 de agosto de 2019

PRA LÍGIA

Delicadeza é forte, a força lhe vem do bem.
Admiro quem enfrenta, além do que lhe convém.
Persegue mais do que sonhos, quer as realidades,
move-se em plenitudes, sobrevoa maldades.

O Tempo é o senhor da vida? Vida é mais do que tempo.
É o que você traz na alma, o puro sentimento.
Prevaleça em teu rosto, sorriso de vitória
cantada aos descendentes, como bela estória.

Eu que já sou bem mais velho, quase esquecendo a rima,
brindo elevando o copo - cena de obra prima -
pra Sede que nunca acaba e ao amor que te cabe:
que seja agora e amanhã, infinito, quem sabe...

Fábio Roberto
Agosto/19

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

PLUMA

Quando o carro virou a esquina, só os pneus cantaram.
Não foi a tua voz nem a minha, elas nem adeus tentaram. 

Os olhos quiseram ainda, seguir o rastro da fumaça
Que o escapamento despejava, no ar tenso e sem graça.

Mas logo se dissipou pela agonia apressada do vento,
Que a paixão também levou como fim de casamento.

Como se fosse pluma, como se nem existido houvera,
Como se fosse sonho que se acorda, lembra e chora.

Fábio Roberto



Dos Sessentas ao Sessenta

Editando a história, da infância pra cá os meus cabelos continuaram existindo e estão novamente longos. Permaneço jogando futebol, agora com as netas. A cerva é apreciada com volúpia, fato inconteste que a Sede não acabou e só aumenta. As paixões impulsivas se intensificaram, praticamente incontroláveis, quase irresponsáveis. A arte que em mim cedo nasceu frutificou e se transformou em centenas de canções e uma quantidade incalculável de escritos. A grana que eu não tinha eu ainda não tenho, o que revela o meu sincero despojamento material, quase franciscano. E a famosa imunidade ao vírus da gripe está aqui, intacta, apesar da forte torcida de muitos para que eu tenha um mísero resfriado.
Com tanta vida saboreada em lágrimas e sorrisos, aventuras insuperáveis e marasmos agonizantes, eu sei que enquanto o corpo envelhece um ano, a alma encanece cem, comemorando todas as existências e até lamentando algumas delas. O importante é manter a essência, que é muito mais idosa do que o físico, perdurando íntegra no tempo. É o que faço.
Fábio Roberto

CYCLE 3

Não é que eu não goste da vida. Eu não a aprecio tanto neste planeta. Sei lá se vim exilado de outra Esfera qualquer, mas com este lugar não conectei completamente. A Terra até que é maravilhosa, só que a maioria dos humanos que a habitam são os refugos das galáxias, estagiando aqui antes de pousarem nos umbrais. Estou distante de ser anjo, mas separado um universo dessas coisas-coisas. Para os poucos amigos que me conquistaram eu ofereci o melhor que pude de mim, do bom ao complicado.
Claro que o dia nascendo, com o sol se levantando do mar para o alto dos céus, é uma imagem de se admirar. E beleza ainda superior acontece quando o dia é findo. O sol, desgastado, adormece o seu desânimo apagando-se atrás dos montes, deixando a soberana musa dos poetas, a noite, prevalecer na escuridão íntima das nossas almas inconformadas, melancólicas, rebeldes, sequiosas de paixão e vontade do viver, mesmo que brevemente. Uivamos pra lua junto aos lobos da estepe e cães urbanos abandonados, em melodias que se fundem numa só voz de desespero. Gritamos por saudade de algo que desconhecemos, mas que dói violentamente chegando a estremecer os nossos esqueletos.
Escrevi estas palavras porque completei hoje 60 anos de quando fiz escolhas que ainda não entendo e aportei cá com minha eterna alegria de criança palhaça e meu sempre velho e cansado sentimento de quem tentou movimentar o imutável, sonhar o impensável e realizar o impossível. Ora em vão, ora quase, ora oração. Constato que não morri cedo, pois evidentemente, sigo carregando um corpo que incomoda espaços. Mas eu sei que o Tempo não se mede pelo tempo deste corpo neste agora. Talvez eu tenha morrido ao chegar, ou mesmo antes ou então depois, por não ter criado a minha obra-prima nesta existência. O fato é que nunca estive satisfeito. Penso que considerar-se realizado é para os fracos, acomodados ou falsos que se auto-enganam.
Os meus olhos que temiam não temer nada, agora só temem ver um absoluto nada, porque um dia não haverá talvez. Após o ciclo romper limites, a esperança é que possa haver lá adiante o momento de rever, saber e estar pleno de tudo e todos que amo infinitamente.
E nesta data e hora em que esqueci desejos, nem espero abraços, só brindes erguidos por bêbados convictos ou sóbrios inebriados. Abro um sorriso sinceramente feliz pro passado, pois vivi emoções loucas, poderosas, inesquecíveis e ofereço um sorriso irônico, exageradamente sacana pro futuro, onde teria energia intensa para muito além, mas tanto faz, tanto fiz, tanto faria. O futuro que me espere a partir de amanhã, se quiser, ou aguarde quando eu for apenas histórias.
brindemos,
Fábio Roberto
02agosto2019