quinta-feira, 29 de junho de 2017

PONTO DA SURPRESA

estou cansado mas não consigo e não quero parar então continuo e vou indo sem pausa sem reabastecer as energias sem acomodar o corpo sem fechar o olhos sem esticar os ossos numa cama ou chão e com os meus músculos rígidos sem relaxar sigo adiante sem interrupção sem repouso pois não há intervalo para afrouxar os passos ou motivo para diminuir o ímpeto de ir em frente e assim vou sem suspender o ritmo das pernas que andam nesse compasso rápido sem se deterem por nada com a mesma intensidade sem decrescerem a velocidade sem sustarem o movimento sem cessarem a ação portanto eu nem olho para trás para não perder um segundo sequer de espaço futuro caminhando assim sempre ao além do possível além das forças além da vida além do sonho para chegar ao ponto de descanso e com a vontade de ultrapassar todos os limites prosseguir para mim não existe ponto final vírgula ou reticências e só vou parar numa exclamação de alegria ou dor

 Fábio Roberto

quarta-feira, 7 de junho de 2017

O OLHAR

Quem irá entender as minhas palavras sem que passe pela cabeça que eu sou uma atitude vaga e penso sempre antes do momento existir?

Não tenho tempo para explicar o tempo do meu desgaste.

Não sou um bom amigo para beber cervejas sem falar bobagens próprias ou filosofar sobre uma frase de Thoreau.

Não sou um bom amante se não devorar a alma de quem amo e me entregar às mãos dessa amada como se ela fosse Deus.

Plantei filhos e para eles não transmiti mentiras sociais, para que pudessem colher da arte o alimento supremo na realização plena de suas vidas.

Eu sou um descasamento, sou certamente um errante. Um materializador de sonhos. Um destruidor de sonhos. Um pesadelo que faz sorrir.

Não sou um compositor de jingles, mas poderia colocar uma pimenta no seu doce de coco e vendê-lo como pipoca. Cantando.

Tenho medo de dor de dente, tenho medo de dor
no dedo, tenho medo de cebola.

Não tenho medo da morte, mas não a aceito agora, sem antes encontrar com o meu destino cara a cara com a faca na boca, a caneta na mão e um papel em branco para mostrar a ele que a poesia não precisa assistir ao por do sol ou a uma luta.

Ou será que um cego não pode ser poeta?

Mas não seria a morte encontrar-se finalmente com o destino?

Eu sei de tudo o que vivi ontem.
O meu ontem foi muito mais do que todas as vidas de muita gente.

Nossa, como sou arrogante!
E agora estou calmo demais.

O futuro está nos meus olhos.
O futuro está nos teus olhos.
Resta saber para onde iremos olhar.

Fábio Roberto


sexta-feira, 2 de junho de 2017

AMAR

Eu penso que amar é para fracos
que se despedaçam em cacos.
Gente que precisa de muleta
pro coração
não ficar jogado na sarjeta
da emoção.
Gente que se vê sem par
e logo corre pro bar
para afogar mágoas,
onde garrafas viram taboas
de náufragos num mar
de solidão.
Abandonam até o lar
na imensidão
de uma tristeza tão dolorida,
maior do que cabe na vida.

É por isso que sou forte
e não amo. Amor é morte.
Vou ao bar beber sem agonia.
Não importa se estou só,
pois mais dia menos dia
todos viraremos pó.
Resistirei, então, eterna e bravamente
a este sentimento
vagabundo, podre e insolente
que me ataca neste momento,
tirando dos meus olhos a cor:
a vontade de amar-te desesperadamente,
como se condenado fosse ao amor.
O que me mataria certamente,
como um inseto mata uma flor.

Devorando-a inteira e lentamente.


Fábio Roberto