terça-feira, 26 de dezembro de 2017

ORGULHOSO

Quando a minha boca livre atingiu violentamente aquela bota suja quebrando cinco dos meus dentes e fazendo a minha exploradora língua degustar o sabor salgado do meu próprio sangue, eu já estava bastante machucado. Era muita gente ou coisa batendo em mim. Eu já não tinha os olhos abertos, pois feito os de um lutador de boxe que apanhou por quinze rounds, eles eram uma massa roxa intumescida, apodrecida e fechada para a vergonha estampada em qualquer espelho.
O golpe que eu recebi no fígado que aguentou centenas de litros de cerveja e whisky por tantos anos, finalmente abalou-me e a pancada covarde que detonou a minha coluna cervical a ponto de dobrá-la feito um coqueiro em tempestade tropical, me fez cair entontecido pela vigésima vez. Mas os socos e chutes derradeiros não aconteceram para que eu pudesse descansar a consciência.
Aí meu irmão, eu fiz a estupidez de me levantar, cuspir a minha bílis, urrar como um Hulk de Biafra e desafiar quem me agredia com toda a raiva estúpida que eu podia. Tomei tanta porrada que virei do avesso. O líquido viscoso avermelhado jorrou do meu nariz que ao mesmo tempo procurou algum aroma ou ar antes que eu me acreditasse despedaçado.
Então eu todo quebrado prometi me erguer toda vez que eu fosse derrubado. Eu continha tanto ódio que amava o meu oponente mais do que me amava. Não me importava o revés do corpo e minha alma até aquele instante só tinha band-aids e merthiolate, tanto que eu desprezava qualquer lancinante dor.
Eu pedi que esfacelassem com um tiro a minha cabeça louca, a minha cabeça louca rogava uma bala que atravessasse os pensamentos bons e vis de quem não aguenta mais a espera para ser feliz. Mesmo banguela eu sabia que receberia o prêmio Nobel da guerra das mãos de Mandela.
Queria eu abrir os braços e receber no ventre um sopro suave que me fizesse lentamente vergar o orgulho e admitir a minha vitória eterna perante a vida. Era talvez triste e difícil constatar assim tão costurado, remendado, estropiado e destruído, que venci.
Fábio Roberto
Do Livro de Textos e Crônicas


terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Do Livro dos Destinos: VIDRO

Quem tem telhado de vidro tem cabeça oca.
Quem tem cabeça oca não tem sangue nas veias.
Quem não tem sangue nas veias tem coração vazio.
Quem tem coração vazio não tem sentimentos.
Quem não tem sentimentos não ama.
Quem não ama tem uma vida sem graça.
Quem tem vida sem graça não tem sorriso.
Quem não tem sorriso não tem dente.
Quem não tem dente e tem bom humor é porque não tem telhado de vidro.
Fábio Roberto


domingo, 10 de dezembro de 2017

O SUCO

A música é o suco da arte
Palavras do Fontanetti
Fecha-se claquete
Montam-se cada parte
Do filme que vislumbrei
Som puro e benfazejo
Que no meu violão calejo
A vida em que me sobrei
O líquido percorre
Cada gesto, cada imagem
Cada estrofe e compasso
Preenchendo todo espaço
Mergulhando esta viagem
O meu sentimento escorre

Fábio Roberto
2012


sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

FOGO-FÁTUO

Ao Amor
quem não faz justiça
vira carniça.

Faroberto

BRANCO

dos olhos
do tecido
da nuvem
do sal
da parede
da neve
do carro
do leite
do cão
da pele
do açúcar
da flor
da tinta
da tela
da bandeira
da pomba
do lençol
da fumaça
da vela
da areia
do gozo
do urso
da farinha
da luz
do papel.
Branco
me deu
na cabeça.
Fábio Roberto


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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

MADRUGADA

neste instante só consigo escrever escrever escrever escrever. o violão me olha. para ele isso é um replay. faz tststststststs............ sorri em solmaior.
tão claro que fecho os olhos. respiro. dou um gole em algo que está no copo.
é forte. parei de fumar há anos, mas dou uma profunda tragada na fumaça que ainda corre dentro de mim. tusso muito.
bate o coração bate... bate...
s u a v e m e n t e.
e para. silencio. o violão de novo... tststststststs.... os cães latem indignados. abro os olhos. o coração volta de seu cansaço. bate..... bate..... e vai ritmando. cadencia. bate
l o u c a m e n t e
mas acalma repentinamente porque
o som de uma corda rompendo toma o ambiente.
nem mais tststststs sai do violão.
nem sorriso em solmaior.
nem olhar.
nem claridade.
o silêncio se assusta porque nada escuta. pego o violão e faço....... tstststststs....
e toco assim mesmo... faltando uma corda.

Fábio Roberto

domingo, 3 de dezembro de 2017

ESPELHO

Eu sou de paz. Até que pisem no meu calo.
Calo? Nunca. Até amordaçado o que eu sinto falo.
Falo? Sempre pronto, duro, ereto e disposto a gozar.
Gozar? Basta olhar para algumas idiotas caras.
Caras? Eu pago o preço e acendo a minha chama.
Chama? Chamo quem eu quiser, mas que alegria traga.
Traga? Aspiro e engulo esta fumaça e as cinzas.
Cinza? Não vejo a cor do horizonte, ele que me fita.
Fita? Já não é preciso prender meus cabelos.
Belos? Somente teus espelhos, você em meus olhos...

Fábio Roberto
imagem wahooart