segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O Motor

Movimenta-se lento o êmbolo
Visão turva, a imagem embola
Pele carcomida que se esfola
Fraco, cansado, trêmulo

O sangue entope a máquina
Resultando em um coágulo
Paralisando o veículo
Prostrado sobre uma isnáquia

Deslizar é passado
Foram-se cilindros e anéis
Desligaram-se painéis

Nada a ser lubrificado
Não pode ser ressuscitado
Que rezem por ele os fiéis

Fábio Roberto
Para a IV Mostra Artística Temática da Turma Braba

Tema “Êmbolo”

O Feto

Não sei por que aconteceu isso comigo. De repente uma corrida desenfreada de espermatozoides onde eu tive que bater em um, em outro, em milhões, sem imaginar que acertar o alvo era apenas uma grande sacanagem. Então sem que eu esperasse estava germinando dentro de um corpo desconhecido, estranho e descuidado. A dona desse corpo não se preocupava comigo. Não me alimentava direito, se intoxicava com drogas baratas e ainda ficava sacolejando em bailes funks. Ouvir dez vezes “levanta a bundinha”e “abre as perninhas”, feto algum merece né mermão? E eu, espremido naquela barriga cada vez mais gorda e ao mesmo tempo apertada, tinha que disputar espaço com gases fétidos porque a dona do corpo só comia merda. Eu rezava para ela soltar um peido para eu me espalhar um pouco mais naquele espaço nauseabundo. Durava apenas segundos, pois logo tudo se contraía novamente. O cordão umbilical que me irrigava só trazia veneno e sofrimento.

Subitamente discussão, briga, barulho. Quem é o pai sua filha da puta, vagabunda, safada? - perguntou uma voz grave e violenta. Vai se ferrar seu corno, banana, trouxa - respondeu a voz esganiçada do corpo que eu habitava. Uma pancada forte me fez sacolejar dentro daquele receptáculo desprotegido e em seguida mais porradas, bordoadas, chutes. Facadas.
Fiquei tonto e cego quando uma hemorragia interna no corpo da besta que aconteceria minha mãe quase me afogou. Sirene de polícia, gritos, tiros. Sirene de ambulância, maca, correria. Uma agulha enorme com anestesia desfaleceu a anta anti-maternal, mas não me fez efeito algum. Apesar da intensa dor a minha alma machucada estava totalmente consciente. A ponto de eu ouvir gente falando... “vamos ter que abortar”. Demorou um tempo para eu saber que era a mim que se referiam. Descobri mesmo, assim que alguns instrumentos me dilaceraram rompendo carne e espírito, cortando finalmente os tênues laços que me ligavam a este mundo podre.

Que sorte. Pra mim, nascer seria um equívoco.

Fábio Roberto

Para a IV Mostra Artística Temática da Turma Braba
Tema: Equívoco


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O Poeta Da Solidão

O poeta é uma multidão num só.
Janela não existe pra quem viu
o amor sem resposta virar pó,
como o mais lindo dia que existiu.

O poeta é multidão e solitário.
Cachorro que o dono morreu.
Garrafas vazias no armário.
Memórias do que nem aconteceu.

O poeta é um caminho sem retorno.
Multidão o habita, intensos sentimentos.
Criança que ainda nem saiu do forno.
Futuro enrugado e seus tormentos.

O poeta é multidão e mais queria.
Não lhe basta esse destino infinito.
Só a paixão da mulher que o amaria,
lendo um poema só na alma escrito.

Fábio Roberto

Insônia

Uma parte lutava pra dormir,
a outra insistia em pensar.
Fazendo uma parte se coçar,
a outra adorava oprimir.

Uma parte começou a deprimir,
outra não deixou de lhe espicaçar.
Essa parte só deixou de ameaçar,
quando a outra irritada fez bramir.

E assim noite adentro a esgrimir,
uma parte viu o tempo passar.
Desejando mais um pouco troçar,
a outra ficou a se consumir.

Breu confuso lhes restava exprimir.
Não puderam ou souberam conversar.
Duas vozes: a insônia a engessar
a ideia que nasceu só pra sumir.


Fábio Roberto

Circo

Um palhaço abandona o picadeiro,
cansado de sorrir pra sua desgraça.
Não mais vão lhe dizer “que isso passa”.
Uma festa onde não há mais brigadeiro.

Enterrem os seus sonhos, os aplausos.
Quem sabe em solo árido paz renasça.
Quem sabe se assim tristeza faça
a sua mente esquecer todos os causos.

Devorada a solidão pelo silêncio,
que a maquiagem borra em um frêmito.  
Lágrimas afogam a ponte pênsil

dos olhos. Só se escuta o gêmito.
O canto do universo soa tênsil,
quando a mão acena adeus em gesto rítmico.


Fábio Roberto

Tsunami

Quem é que tem o sono se o mundo gira
E gira sem parar até em hora imprópria?
Até o corpo acorda, se levanta e pira
Após a digestão inefável de mais uma obra

Quem é que tem o sono se a vida espreita
E espreita curiosa pela hora próxima?
Até se você dorme de pijama e a peita
Após excrementar o sonho que oxida

Quem é que tem o sono se a morte ronda
E ronda serelepe a hora em que aproxima?
E se aproxima e foge e morre como onda
Após que o tsunami afogue a obra-prima


Fábio Roberto

Eldorado

A rede balança o pensamento
oscilante de um lado pra outro lado.
Mas o mesmo e intacto sentimento
permanece em nós um eldorado.

Pergunta-se quão forte pode ser
um amor que não precisa jura ou prova.
Basta existir, saber, viver e ter.
Grão genuíno a cada dia se renova.

Delicado como o sopro de uma brisa.
Intenso como chuva benfazeja
que nos rega, limpa, acalma e batiza.

E assim, com a permissão da natureza,
nossa paixão o tempo vasto imortaliza,
admirado do tamanho da proeza.


Fábio Roberto

O Estertor da Poesia

Não sei por que eu teimo e escrevo
Talvez da poesia eu seja escravo
Juntar algumas sílabas me atrevo
Dedicando à lida um desagravo

O sentimento surge, logo cravo
Nem sei de onde vem, só o transcrevo
Se for suave dramatizo e agravo
Se for maldito e bravo só descrevo

Se me acabam as rimas, modifico
Pena que não é assim com a vida
Penso que estou, nem fui nem fico
Alma vagueando numa ermida

Ah palavra, agora eu te hiberno
Presa, ficarás em minha cabeça
Queimaremos juntos neste inferno
Até que a consciência desfaleça


Fábio Roberto

quinta-feira, 4 de abril de 2013

SONATA


Soa o tempo retumbante allegro.
Respira a vida sóis e consequências
do que fui. Sorrio largo e desintegro
o futuro, minhas imprudências...

Soa o tempo vagaroso adágio.
Respira a vida, melancólica.
O vento forte traz outro presságio
A árvore que verga, simbólica.

Esta parte apresenta um minueto.
Dançando as folhas soltas dão o sinal.
Levanta-se, prepara-se o quarteto,

não segue partitura ou libreto.
Como um destino, chega ao final,
a minha sonata em forma de soneto.

Fábio Roberto