domingo, 26 de julho de 2020

INCERTO PLANETA

Estava deitado na praia uma noite
Quando você chegou,
Olhou bem no fundo dos meus olhos
E me devorou.
Estava deitado na praia ou no mar.
De dor e medo eu desmaiei,
Mas no meu sonho você também foi
Tanta luz e calor.
Estava deitado no mar ou no céu.
Estava deitado no céu ou no sol.
Estava deitado no sol ou no inferno
E você me beijou.
Estava deitado na praia essa noite.
Quanto tempo levou
Para pouco a pouco ir saciando
O que me alimentou?
Estava deitado no inferno ou na terra
De um incerto planeta.
A cor da paisagem se desfez
Dentro de você.
Estava deitado no sonho ou no mundo,
Por um século ou um segundo.
Não houve lágrima nem houve adeus
E você desapareceu.
Fábio Roberto
(vivido, escrito e musicado em 1981)


sábado, 18 de julho de 2020

A CERTEZA


Quando abri os olhos hoje o meu coração estava vazio e frio, distante de qualquer paixão. Tentei me esforçar e me lembrar se um dia eu amara alguém, por quem eu sofrera ou qual mulher me inspirara. Se uma deusa me tivera umedecido os olhos de emoção ou me fizera tremer o esqueleto, só de imaginar o toque poderoso e transcendente que revigorava a minha alma no tempo.

Mas nada me aconteceu na memória. Eu era sem história e estava ali, apenas, jazendo entre cada ar que respirava e mais nada. Eu, sem paixão, um ser disforme, indescritível, insólito, insignificante. Não havia som em mim, pois só a solidão me habitava e nem pensamentos acometiam a minha mente. Eu era como palavras apagadas, que nem rabiscos na página em branco deixaram resquícios.

E assim, no absoluto vácuo do meu peito, o coração palpitava em arritmia assustada, temeroso de nunca mais haver nem dor, nem uma pontada de agonia e tendo ainda que testemunhar toda a possibilidade de sorriso ser sugada instantaneamente de forma cruel e sadicamente violenta ao limbo, pelo simples fato de não ter permanecido em mim um amor sequer.

Mas no meu íntimo mais profundo eu duvidava dessa falta de sentimentos. Eu tinha a sensação de ter experimentado romances intensos, relacionamentos dramáticos e aventuras perigosas. Não acreditava que eu fosse esse personagem destituído de desejos ardentes, afetos fascinantes e amizades alimentadas por atração que beirava a veneração, o vício, a lascívia e a imoralidade.

Não sabia se realmente eu houvera acordado, mas quisera ter recolhido forças e despertado deste pesadelo gritando o nome de uma Musa. O nome dela, cuja rara e infinita paixão não pudera ter sido explícita e revelada ao mundo, mas fora cantada em melodias sopradas pelos ventos e rimada em versos desenhados nas nuvens. A vida, quando morre, sabe que existiu. Então fecho os meus olhos agora, com a certeza de ter vivido tudo o que escrevi e cantei.

Fábio Roberto



quinta-feira, 9 de julho de 2020

O QUE SERÁ

Foram de arrepiar os momentos em que nos amamos. Tropeçávamos nas nossas sombras, embriagados da paixão que não conseguíamos esconder. Os nossos olhos gritavam sorrisos e nossas bocas transbordavam beijos que não cabiam em sentimento algum. Era violento demais, machucava muito acordarmos fora dos corpos, desligados totalmente da vida mundana e rotineira onde éramos obrigados a existir. Mas não vivíamos se não estivéssemos entrelaçados num coito sensível e animalesco que não terminava nunca, porque era plano seqüência único, sem cortes ou emendas, onde qualquer eventual interrupção momentânea não tinha significado, por ser apenas tempo disperso e sem sentido. Sabíamos que cedo ou tarde a lucidez da vida iria reinventar a nossa memória, então escrevemos versos, os cantamos e nos deixamos fluir até que parássemos de ventar tão forte e sobrássemos quase nada, nem brisa, nem sopro, só a inerte paisagem nos admirando assustada, sem compreender o que fôramos e pra onde fôramos deixando despojadamente só as nossas roupas abraçadas na dureza do chão. A poeira cobrindo saudade e a história que não poderia jamais ter sido contada. Talvez lágrimas sejam derramadas disfarçadamente pela luz da eternidade se não nos encontrarmos novamente, mas se nos encontrarmos, Linda, será de arrepiar.
Fábio Roberto

OS OLHOS DELA

Só dava pra ver os olhos dela e era um vasto mundo que me convidava a compartilhar histórias. Quisera eu silenciar todos os sentimentos, puros ou profanos, com um beijo nos lábios dessa máscara. A imaginação é um desenho criado fora do espaço, desejo vivido antes que se possa medir o tempo. É o que acontece quando se sonha sem ter dormido. É o que expressa e significa esse olhar infinito, eterno, inesquecível. Um verso criado e apagado instantaneamente.
Fábio Roberto


sábado, 4 de julho de 2020

MAR

Eu te descreveria em poemas agora. Te tocaria acordes porque você é tantas canções. E és apenas isso e quase e tudo. Um algo que não existe como matéria, mas dói mais do que solidão rasgando peito. Porque saudade é como a morte, sempre longe e presente cada vez que se olha o sol. O amanhã é uma chuva que cai nas ruas, desliza nas sarjetas, passeia pelos esgotos e acaba abraçando o mar. Quisera eu alcançar ou ser o mar, onde eu te descreveria em poemas. Agora.
Fábio Roberto