sábado, 18 de julho de 2020

A CERTEZA


Quando abri os olhos hoje o meu coração estava vazio e frio, distante de qualquer paixão. Tentei me esforçar e me lembrar se um dia eu amara alguém, por quem eu sofrera ou qual mulher me inspirara. Se uma deusa me tivera umedecido os olhos de emoção ou me fizera tremer o esqueleto, só de imaginar o toque poderoso e transcendente que revigorava a minha alma no tempo.

Mas nada me aconteceu na memória. Eu era sem história e estava ali, apenas, jazendo entre cada ar que respirava e mais nada. Eu, sem paixão, um ser disforme, indescritível, insólito, insignificante. Não havia som em mim, pois só a solidão me habitava e nem pensamentos acometiam a minha mente. Eu era como palavras apagadas, que nem rabiscos na página em branco deixaram resquícios.

E assim, no absoluto vácuo do meu peito, o coração palpitava em arritmia assustada, temeroso de nunca mais haver nem dor, nem uma pontada de agonia e tendo ainda que testemunhar toda a possibilidade de sorriso ser sugada instantaneamente de forma cruel e sadicamente violenta ao limbo, pelo simples fato de não ter permanecido em mim um amor sequer.

Mas no meu íntimo mais profundo eu duvidava dessa falta de sentimentos. Eu tinha a sensação de ter experimentado romances intensos, relacionamentos dramáticos e aventuras perigosas. Não acreditava que eu fosse esse personagem destituído de desejos ardentes, afetos fascinantes e amizades alimentadas por atração que beirava a veneração, o vício, a lascívia e a imoralidade.

Não sabia se realmente eu houvera acordado, mas quisera ter recolhido forças e despertado deste pesadelo gritando o nome de uma Musa. O nome dela, cuja rara e infinita paixão não pudera ter sido explícita e revelada ao mundo, mas fora cantada em melodias sopradas pelos ventos e rimada em versos desenhados nas nuvens. A vida, quando morre, sabe que existiu. Então fecho os meus olhos agora, com a certeza de ter vivido tudo o que escrevi e cantei.

Fábio Roberto



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