segunda-feira, 18 de maio de 2015

24 HORAS

Sempre considerei injusta a divisão dia/noite tão equilibrada. O dia tem o sol nascendo com seu calor e aconchego, a natureza parindo em cada flor que desabrocha, pássaros cantando, a maioria dos trabalhadores se empilhando no transporte público ou seguindo roboticamente solitários em seus automóveis. O padeiro que vai assar os nossos pães, a mãe que leva o filho ao aprendizado escolar, os cães procurando ossos por ofício, os amantes que deixam um motel, o bandido que se esconde em sombras, carroceiros catando nosso lixo, beijos que encontram lábios já de saudade ou lábios que se selam formalmente num até depois. Quando? Quanto?

Mas a noite tem tudo isso e os bêbados vagando, as prostitutas sem prostíbulos ou esquinas fazendo sexo com quem procura amor, o apito do guarda noturno em si bemol, pessoas uivando suas melancolias, bebês chorando serenatas, canções sendo compostas por gênios que nunca terão aplausos, a lua num céu que só poetas enxergam, estrelas que já passaram por ali, corujas procurando ninhos no cimento e passos muito mais consistentes porque o escuro é mistério, medo, dúvida e certeza.

A mulher que eu amo é dia, mas é muito mais noite. É tudo e além. É sempre um querer sem medidas, um relógio que eu queria atrasar para ter um pouco mais de alegria e adiantar para ser eterno prazer.

É injusta a divisão dia/noite tão equilibrada, porque a noite é agora e esperança, o dia é amanhã e realidade.

A gente sonha muito melhor na noite que nunca acaba.


Fábio Roberto

sábado, 16 de maio de 2015

OS OLHOS DA LUA (RAISSA)

Pequena criatura
Os olhos da lua te mostram o caminho
De outra missão
Corrente de água começa outro mar

A vida não esquece
Se em alguém permanece raiz e saudade
Morrer não é morte
Saudade é transporte

Agora tua festa de rabo-sorriso
É de estrela em estrela, passeio bonito
Coleira de nuvens
Tão grande o teu novo lar

Pequena criança ouviu o assobio
O chamado, o pedido desse outro amigo
Pois guarde esse dono (o dono do mundo)
Tal como comigo precisa tua brincadeira

Raízes de um coração
Não batem, só brilham
Não batem, só brilham

Não bate, só brilha


Fábio Roberto




sábado, 9 de maio de 2015

AMAR

Eu penso que amar é para fracos
que se despedaçam em cacos.
Gente que precisa de muleta
pro coração
não ficar jogado na sarjeta
da emoção.
Gente que se vê sem par
e logo corre pro bar
para afogar mágoas,
onde garrafas viram taboas
de náufragos num mar
de solidão.
Abandonam até o lar
na imensidão
de uma tristeza tão dolorida,
maior do que cabe na vida.

É por isso que sou forte
e não amo. Amor é morte.
Vou ao bar beber sem agonia.
Não importa se estou só,
pois mais dia menos dia
todos viraremos pó.
Resistirei, então, eterna e bravamente
a este sentimento
vagabundo, podre e insolente
que me ataca neste momento,
tirando dos meus olhos a cor:
a vontade de amar-te desesperadamente,
como se condenado fosse ao amor.
O que me mataria certamente,
como um inseto mata uma flor.

Devorando-a inteira e lentamente.

fÁBIO rOBERTO(2008)