quinta-feira, 26 de novembro de 2020

SUB VERSIVO

 

Eu não crio um poema hoje
Se ao pensar questiono o motivo
Se não mudo o que fora e me entoje
Quando nem mesmo sei se estou vivo
Consideram-me tanto e o que foge
O que sinto será subjetivo?
Creio que neste agora despoje
Tudo o que nâo sou-me subversivo.

Fábio Roberto


quinta-feira, 8 de outubro de 2020

CLAVE DE FÁbio

a sonoridade das minhas unhas rasga o teu corpo inteiro.
a minha boca e dentes estalam na carne do teu pescoço.
a melodia é esta, de selvagem leão, e é o que compor eu posso.
é este meu desespero que te ofereço, linda, como fiel parceiro.
o meu coração irá parar de percutir nesta pauta partida,
pois em alguma noite eu me permitirei esta sábia decisão.
por enquanto, escute-me paixão, olhos, calor e tesão.
dentro de você eu canto o melhor canto da minha vida.
Fábio Roberto


SAL

Mas quem é esse que tanto falo em romance?
Esse não sou eu, então que eu pare antes que me canse.
Eu sou um poeta maldito que as palavras no papel vomita,
feito comida deteriorada e fria de suja marmita.

A minha poesia é para ser lambida pelos cães sem donos,
aqueles que bebem as águas apodrecidas nas sarjetas,
uivando para receber réstias de luar, como gorjetas
clamadas pelos miseráveis que habitaram tronos.

O que escrevo é uma ferida purulenta que nunca cicatriza.
É um sentimento que invade. Não se doma. Não se exorciza.
Corrói por ser lava que desce fumegante a encosta,
queimando a alma numa dor tão forte e poderosa que se gosta.

Estas são as declarações de amor deste visionário insano.
O sabor da minha boca pode ser amargo, estranho, obsceno.
Nunca será doce, tampouco suave. Eu não existo ameno.
Sou o tempero mergulhado sob as ondas do oceano.

Fábio Roberto 


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Patrícia Justino e Marco Silva
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domingo, 13 de setembro de 2020

OUTUBRO - À S.H.


Sim, tu foste eterna
e ainda és, em tantas canções e poemas
a ti dedicados.
Eu me pergunto sempre,
por que éramos tão jovens?
Pra onde estão olhando os teus olhos verdes
que iluminaram o meu coração?
Nesse tanto tempo,
que ventos acariciaram os teus cabelos,
soprando o dourado deles pra tão longe?
A vida separa afinidades e amores.
E não me conformo que eu não nos sabia,
não te compreendia e não me existia.
Eu te deixei ir embora lacrimejando paixão,
sem conseguir explicar o quanto eu também morria.
Talvez por isso a quantidade de escritos e melodias
criadas do nada depois, ditadas por tua inspiração.
Sei que não gostarias destas palavras quadradas.
Éramos undergrounds, contestadores, cults, “meio hippies”.
Diria que até demais, às vezes, um casal bem maluco.
É que hoje estou sem aquele texto ácido, ferino,
agressivo e irônico que me caracteriza.
Mas dane-se o mundo se estou convencional
neste momento em que é tarde,
muito tarde pra dizer “te amo”,
mas agora eu já disse.
Fábio Roberto
(não agüentei esperar outubro...)


segunda-feira, 7 de setembro de 2020

O PONTO

 Largar tudo e ir embora. Esvaziar gavetas, bolsos,

carteira, mente. No coração já não há nada...

Olhos fechados, sem lembranças. Ir embora sem destino,

sem violão ou caderno. Não deixar pegadas, rastro, cheiro

ou fumaça. Ausente de desejos, esperanças, raivas ou

arrependimentos. Partir subitamente, evitando explicações,

despedidas e comentários.O próximo lugar será nenhum ou

qualquer um, nem o destino me sabe. Agir assim por um tempo

indefinido até parar e apenas fluir no vácuo do pensamento.

Como se fosse um ponto que só pudesse ter sido visto pelo mais

poderoso dos satélites, no exato instante em que sumia e deixava 

um vago espaço.


Como se nunca tivesse existido absolutamente nada ali.

 

Fábio Roberto



domingo, 6 de setembro de 2020

VONTADE

 

Esse sentimento dá vontade
Da vontade de morrer
Esse sentimento da vontade
Dá vontade de explodir
Esse sentimento dá vontade,
Dá vontade de você
Esse sentimento da vontade
Dá vontade de sorrir,
Da vontade de viver
Esse sentimento dá vontade
Da vontade de morrer
Esse sentimento da vontade
Dá vontade de gritar
Esse sentimento dá vontade
Dá vontade de você
Esse sentimento da vontade
Dá vontade de chorar,
Da vontade de viver
Fábio Roberto



domingo, 26 de julho de 2020

INCERTO PLANETA

Estava deitado na praia uma noite
Quando você chegou,
Olhou bem no fundo dos meus olhos
E me devorou.
Estava deitado na praia ou no mar.
De dor e medo eu desmaiei,
Mas no meu sonho você também foi
Tanta luz e calor.
Estava deitado no mar ou no céu.
Estava deitado no céu ou no sol.
Estava deitado no sol ou no inferno
E você me beijou.
Estava deitado na praia essa noite.
Quanto tempo levou
Para pouco a pouco ir saciando
O que me alimentou?
Estava deitado no inferno ou na terra
De um incerto planeta.
A cor da paisagem se desfez
Dentro de você.
Estava deitado no sonho ou no mundo,
Por um século ou um segundo.
Não houve lágrima nem houve adeus
E você desapareceu.
Fábio Roberto
(vivido, escrito e musicado em 1981)


sábado, 18 de julho de 2020

A CERTEZA


Quando abri os olhos hoje o meu coração estava vazio e frio, distante de qualquer paixão. Tentei me esforçar e me lembrar se um dia eu amara alguém, por quem eu sofrera ou qual mulher me inspirara. Se uma deusa me tivera umedecido os olhos de emoção ou me fizera tremer o esqueleto, só de imaginar o toque poderoso e transcendente que revigorava a minha alma no tempo.

Mas nada me aconteceu na memória. Eu era sem história e estava ali, apenas, jazendo entre cada ar que respirava e mais nada. Eu, sem paixão, um ser disforme, indescritível, insólito, insignificante. Não havia som em mim, pois só a solidão me habitava e nem pensamentos acometiam a minha mente. Eu era como palavras apagadas, que nem rabiscos na página em branco deixaram resquícios.

E assim, no absoluto vácuo do meu peito, o coração palpitava em arritmia assustada, temeroso de nunca mais haver nem dor, nem uma pontada de agonia e tendo ainda que testemunhar toda a possibilidade de sorriso ser sugada instantaneamente de forma cruel e sadicamente violenta ao limbo, pelo simples fato de não ter permanecido em mim um amor sequer.

Mas no meu íntimo mais profundo eu duvidava dessa falta de sentimentos. Eu tinha a sensação de ter experimentado romances intensos, relacionamentos dramáticos e aventuras perigosas. Não acreditava que eu fosse esse personagem destituído de desejos ardentes, afetos fascinantes e amizades alimentadas por atração que beirava a veneração, o vício, a lascívia e a imoralidade.

Não sabia se realmente eu houvera acordado, mas quisera ter recolhido forças e despertado deste pesadelo gritando o nome de uma Musa. O nome dela, cuja rara e infinita paixão não pudera ter sido explícita e revelada ao mundo, mas fora cantada em melodias sopradas pelos ventos e rimada em versos desenhados nas nuvens. A vida, quando morre, sabe que existiu. Então fecho os meus olhos agora, com a certeza de ter vivido tudo o que escrevi e cantei.

Fábio Roberto



quinta-feira, 9 de julho de 2020

O QUE SERÁ

Foram de arrepiar os momentos em que nos amamos. Tropeçávamos nas nossas sombras, embriagados da paixão que não conseguíamos esconder. Os nossos olhos gritavam sorrisos e nossas bocas transbordavam beijos que não cabiam em sentimento algum. Era violento demais, machucava muito acordarmos fora dos corpos, desligados totalmente da vida mundana e rotineira onde éramos obrigados a existir. Mas não vivíamos se não estivéssemos entrelaçados num coito sensível e animalesco que não terminava nunca, porque era plano seqüência único, sem cortes ou emendas, onde qualquer eventual interrupção momentânea não tinha significado, por ser apenas tempo disperso e sem sentido. Sabíamos que cedo ou tarde a lucidez da vida iria reinventar a nossa memória, então escrevemos versos, os cantamos e nos deixamos fluir até que parássemos de ventar tão forte e sobrássemos quase nada, nem brisa, nem sopro, só a inerte paisagem nos admirando assustada, sem compreender o que fôramos e pra onde fôramos deixando despojadamente só as nossas roupas abraçadas na dureza do chão. A poeira cobrindo saudade e a história que não poderia jamais ter sido contada. Talvez lágrimas sejam derramadas disfarçadamente pela luz da eternidade se não nos encontrarmos novamente, mas se nos encontrarmos, Linda, será de arrepiar.
Fábio Roberto

OS OLHOS DELA

Só dava pra ver os olhos dela e era um vasto mundo que me convidava a compartilhar histórias. Quisera eu silenciar todos os sentimentos, puros ou profanos, com um beijo nos lábios dessa máscara. A imaginação é um desenho criado fora do espaço, desejo vivido antes que se possa medir o tempo. É o que acontece quando se sonha sem ter dormido. É o que expressa e significa esse olhar infinito, eterno, inesquecível. Um verso criado e apagado instantaneamente.
Fábio Roberto


sábado, 4 de julho de 2020

MAR

Eu te descreveria em poemas agora. Te tocaria acordes porque você é tantas canções. E és apenas isso e quase e tudo. Um algo que não existe como matéria, mas dói mais do que solidão rasgando peito. Porque saudade é como a morte, sempre longe e presente cada vez que se olha o sol. O amanhã é uma chuva que cai nas ruas, desliza nas sarjetas, passeia pelos esgotos e acaba abraçando o mar. Quisera eu alcançar ou ser o mar, onde eu te descreveria em poemas. Agora.
Fábio Roberto

sábado, 27 de junho de 2020

CICLO NÚMERO 2

Vozes emudecidas
Violões sem cordas
Cordas sem pescoço
O cérebro amortecido após tecido o sonho
Após ter sido o sonho um sonho
Um vazio
Um imenso, profundo e solene vazio
O silencio escuta o grito
O delírio queima no ar
Copos e corpos inertes
Mortos a respirar
O brilho
Derradeiro suspiro
O futuro da morte:
O início
Fábio Roberto (musicado em 1987)


segunda-feira, 22 de junho de 2020

A PEDRA


Quantos ventos sopraram por essa pedra que jaz na rua, levando sua poeira e história para lugares muito mais próximos do que um dia eu fui?

Quantas tempestades banharam essa pedra inerte entre raios e enxurradas, lavando a sua imortalidade e afogando cada memória que por ela passou?

Quantos sons entre gritos, choros, sussurros, gemidos, suspiros, cantares, declamações, risadas, conversas e pausas silenciosas retumbaram por essa pedra?

Quantos sóis de paixão, esperança, desespero, vontade, alegria, ilusão, fracasso, fé, desprezo e pecado nasceram e apagaram frente a rotina dessa pedra na eternidade?

A barba do tempo cresceu e a erosão consumiu a vida em torno dessa pedra que tanto presenciou, mesmo sem espírito, sentimentos ou reações por ser apenas pedra, assim como hoje eu sou.

Fábio Roberto



domingo, 31 de maio de 2020

VÔ A MIL


Duas,
Elas são Dez,
Dez anos Duas vezes.
O meu sorriso é em Dobro,
dobradura, origami.

Elas, Dueto.
Em duelo do belo,
empatam.
Vencem em Dupla,
mas cada Uma é Uma.

Uma e Uma, Únicas e Universais.
Cada verso, cada versão,
geminiana diversão
multiplicada por Uma e Uma,
Mil vezes:

Elas são Demais!


Fábio Roberto, maio/2020


ILUSÃO


quinta-feira, 7 de maio de 2020

VELHICE




Envelhecer é esvaziar-se inteiro.
É o emagrecer da alma.
Raiz desprendida da terra.
O desespero da calma.
Uma saudade que berra.
História em fuga do roteiro.

Envelhecer é o final da vela
E as rugas no rosto sombrio.
A palavra que encerra livros.
É o leito seco de um rio
O ocaso do deus Eros.
A tinta que borrou a tela.

Envelhecer é doença de infância.
Uma dor que não tem cura.
É passar muitas vontades.
A noite quieta e escura.
É perder as vaidades.
A sirene de uma ambulância.

Envelhecer é apagar o farol.
Violão de corda quebrada.
O tremor da mão que acena.
Assistir a morte da amada.
E é saber que valeu a pena
Viver cada nascer do sol.

Fábio Roberto


MULTIDÃO


ROTINA


quarta-feira, 6 de maio de 2020

sexta-feira, 17 de abril de 2020

FIM DE QUARENTENA

Eu não posso abraçar a tua causa,
Meu abraço agora está proibido.
Guardo desejo e a enorme libido.
Nosso filme em estado de pausa.

Não adianta insistir no convite,
Dançando bela e desnuda na live.
Feche os olhos, garota, just drive,
Em sonho para além do limite.

Mas tua voz sensual no whatsapp
Foi um canto, doce e rouco gemido.
Um poema de amor pervertido,
Que acabou com o meu jogo esse zape.

Que se dane a tal da pandemia,
Pra fantasia já vou mascarado,
Revelando só o olhar de tarado:
 Se eu morrer, morrerei na boemia.


Fábio Roberto