domingo, 6 de novembro de 2022

FABIOGRAFIA PARTE 9 - CAPÍTULO 115 - O ATROPELADO

Era meio da década de setenta e eu estudava no Arquidiocesano, aquele colégio de padres diabólicos e irmãos maristas que de irmãos não tinham nada, só se fossem manos de Satã. Em uma manhã ensolarada eu saí da escola e fui atravessar a Avenida Jabaquara. Olhei para o lado do fluxo de veículos e estava livre. Distraidamente não olhei para o outro sentido, mesmo porque nada deveria vir por ali. Mas veio. Subitamente fui surpreendido por um táxi Volkswagen que dava ré para alcançar um passageiro e parou exatamente em cima dos meus dois pés. Aqueles pés preciosos de tantas aventuras perambulatórias pelo mundo e famosos por centenas de gols, passes milimétricos, dribles desconcertantes e jogadas mirabolantes realizadas nos campos e quadras de futebol do Brasil para deleite das minhas fãs e ódio das torcidas dos adversários. Por sorte o possante acabou atingindo apenas as pontinhas dos calçados onde havia pouca folga, mas suficiente para me prender colado ao carro de olhos esbugalhados e com a expressão assustada na face, achando que não estava sentindo dor porque meus pés teriam sido desprendidos do corpo. Foram alguns segundos de pânico. Tentei sair dali puxando-me com força, mas realmente não conseguia. E não pensei em tirar os tênis porque achava que em breve estaria me esvaindo em sangue. O incauto motorista, sobressaltado, se quedou paralisado me olhando grudado no automóvel. Eu gritando e tentando empurrar o fuska com cara de terrorista e ele sem entender o motivo. Felizmente os colegas mandaram o chofer movimentar o veículo pra frente, liberando os membros que eu julgava desunidos de mim. Olhei para baixo e não vi o sangue esperado. Apertei e senti os dedos intactos. Os amigos começaram a gargalhar enquanto eu, fidalgamente, fingi que nada houvera acontecido. Atravessei o logradouro aparentando calma, apesar de totalmente encharcado de suor. O automóvel que tentou olvidar esse crime abriu a porta para o passageiro e partiu como se nem tivesse provocado uma quase tragédia. Creio que o “barbeiro” do volante tenha passado a ser mais cauteloso daquele dia em diante. Da minha parte passei a atravessar as ruas olhando para todos os lados, para cima e para baixo, independente do fluxo de pessoas, animais, veículos ou aeronaves.


sábado, 5 de novembro de 2022

INSONE

 

Se adormeço uma noite tranquilo,

Tenho o descanso de um justo.

Mas não durmo, lembrando daquilo:

que este mundo é vil e vetusto.

 

Zumbizando na esquina da mente,

Insone, mesmo assim consentâneo.

Pois se durmo, o sonho é premente:

melhor mundo no contemporâneo.

 

O difícil é entender-se no outro.

Só se vê alma estranha e vazia.

Às tragédias a postura é de neutro.

 

Penso, se a bondade fosse idiossincrasia...

Fecho os olhos, me aquieto, me prostro.

É apenas mentira, ilusão, disfasia.

 

Fábio Roberto

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

COMUM

 

Estou cansado de fazer poemas,

Eles já não mudam as pessoas.

Nem quero buscar uma rima,

A linguagem será comum, coloquial.

Os meus sentimentos se dispersaram,

Tanto quanto o pensamento embaralhou.

Tudo porque eu não entendo mais nada,

E o que eu vejo na mesa ao lado

É a transparência da solidão.

O meu violão ficou distante e calado,

Nem mesmo uma corda se arrebentou,

Deixando o ambiente sem canto ou barulho.

E eu nunca quis mudar as pessoas, só o mundo

E os poemas que agora não vou mais escrever,

Por mais que a vontade insista.

Posso até ganhar um sorriso, um beijo,

Uma louca e tarada noite de sexo

Com perversões que só eu pra imaginar

E continuarei inerte, impassível,

Sem escrever, ditar ou me existir em palavras,

Como um bêbado que devorou o alfabeto,

Vomitou todas as letras num bueiro

E se esqueceu de dizer o quanto queria

E amava desesperadamente aquela Musa,

Antes de ficar cansado de fazer poemas.

Só que agora não sei se ainda dá tempo,

Se é tarde ou muito cedo para enviar um whatsapp,

Com apenas mais um poema. Só este, porque cansei.

 

Fábio Roberto