terça-feira, 29 de agosto de 2017

MANTRA


Seja no mato ou cidade
O por do sol é lindo
Seja de fato ou saudade
O por do sol é lindo
Seja desacato ou verdade
O por do sol é lindo

Pode o dia amanhecer nublado
Pode estar chovendo no coração
O por do sol é lindo
Feito o amor infindo
E nem a noite deixará calado
O repetido verso desta canção:

O por do sol é lindo.
O por do sol é lindo.
O por do sol é lindo.


Fábio Roberto


sexta-feira, 25 de agosto de 2017

ALADO


Qual era o rosto ou a voz que me dizia pra ir, mas eu não fui

ou apenas eu imaginava?


eu não sabia o rosto ou a voz, a ida ou a vida que seria.

e a voz cantava ou cantaria ou cantará me olhando de lado

alado

ou em um passado que nem aconteceria


diga-me se o futuro será assim tão amor

ou outro sonho transtornado, sem rosto ou voz.


diga-me a canção que eu faria.



Fábio Roberto

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

FOTOGRAMAS

AVISO
Este texto-filme contém líricas e cruas cenas de violência física e psicológica!

E naquele momento em que eu estava morrendo não passou um filme na minha cabeça. Nem um curta, nem um longa, nem uma série, ou musical, comédia, drama, aventura. Nem Fim foi escrito nos letreiros frente aos meus olhos. Nada vi. Simplesmente morri no filme tão lindo que nem existiu. Era um romance...

Tudo começou quando eu descia a Paracatu e você vinha com seu jeito desligado no sentido Jabaquara. E eu sempre distraído desta vez me atentei para o seu andar bailarino e sensual. Você foi se aproximando e eu tive certeza de que te conhecia, mas nunca houvera te visto. Até que passamos um pelo outro. Eu te admirei a beleza e fui completamente ignorado.

Quando você já estava a quatro passos além, estanquei os meus. Era estranho, mas eu sabia que tínhamos história. Não conseguia lembrar direito. Na minha cabeça éramos muito mais do que conhecidos. Tínhamos intimidade. Na realidade vivíamos aquela cumplicidade que só o tempo de convivência permite construir e solidificar na vida juntos.

Ao me despertar novamente você já se afastara quase meio quarteirão e eu ali estático, sem reação, desprovido de palavras ou idéias para que você me reconhecesse e percebesse o quanto éramos importantes um para o outro. A minha figura incomum e descabelada não poderia ser esquecida assim tão facilmente como se fora um transeunte qualquer, um mero indigente.

Você prosseguiu impávida, com passos impiedosos alcançando o próximo quarteirão enquanto eu, imóvel, me certifiquei que você era o amor da minha vida. Sim. A nossa paixão arrebatadora fora invejada e cantada pela cidade, versada em rimas ricas pelos poetas mais instigantes. Eu só não entendia o tamanho da sua frieza, como se nada houvera existido entre nós.

Os pensamentos embaralhados em minha mente, o coração despedaçado pelo desprezo que eu recebia após tantas juras de amor que devíamos ter feito um para o outro ao longo dos anos me transtornaram, mas nem assim consegui me mexer. E você já chegava à grande avenida, bem próxima da última esquina. Pensei em gritar o seu nome, mas eu não o sabia.

Antes que virasse a esquina eu tive esperança de que você parasse, me visse ali na calçada feito cão abandonado, olhasse nos meus olhos dando aquele sorriso que era exclusivo meu e flutuasse de braços abertos pra mim, momento em que soaria nas rádios uma sonata de Chopin emocionando o mundo, mas não. Você sumiu entre as pessoas que atravessavam a rua.

Aí o sangue subiu e me deu uma raiva! Quem era você pra me tratar daquele jeito? O que eu tinha feito para merecer aquilo? Havia me dedicado tanto, tínhamos sonhado um futuro tão bonito longe dessa loucura urbana que desvirtua os melhores sentimentos. E nossos filhos, nossa casa? O cérebro a mil, mas os meus pés se movimentaram em slow motion.

Quando cheguei esbaforido e cheio de ódio na Jabaquara você andava aceleradamente rumo ao metrô São Judas. Ah... mas eu te alcançaria. Você não fugiria assim impune e me considerando um lixo, a escória humana, um traste, um verme, um nada. Não sei como foi surgir uma peixeira em minha mão exatamente na hora em que comecei a correr desenfreadamente.

As pessoas me viram correndo de olhos esbugalhados com aquela faca na mão e assustadas gritaram pela polícia. Ninguém imaginava o quanto a gente tinha se amado, a intensidade da paixão que vivêramos. Não podiam entender que eu tinha plena razão pela minha revolta incontrolável. Eu não te conhecia, mas acreditava que tudo aquilo era a mais pura verdade.

Vendo-me ao lado, a expressão de pavor em seu rosto foi comovente. Que horror cinzento em seus olhos tão verdes. Tive a impressão que finalmente você me reconhecia e se arrependia tardiamente de me ter feito esse mal. O impressionante é que eu ainda não recordava de você. A faca já sentia o sabor do seu sangue quando seis balas de 38 estraçalharam o meu corpo.

E naquele momento em que eu estava morrendo não passou um filme na minha cabeça. Nem um curta, nem um longa, nem uma série, ou musical, comédia, drama, aventura. Nem Fim foi escrito nos letreiros frente aos meus olhos. Nada vi. Simplesmente morri no filme tão lindo que nem existiu. Era um romance...


Fábio Roberto


Inspirado em “Sui Generis” de Leandro Henrique                    

LÁBIOS DE MANEQUIM

Era bela a estória, mas não teve fim
Como se de um livro página rasgasse
Derradeira cena que não se filmasse
Ou se arrancasse as cordas do bandolim

Antes que a seresta uma voz cantasse
E se batessem as asas de um querubim
Como se apagasse luz de curumim
Ou se o tempo nunca mais passasse

Deixando só o vazio que o olho admirasse
Terra devastada, sem nenhum jardim
Samba que esqueceu o som do tamborim
Um reencontro em que não se abraçasse

Ou nele se beijasse lábios de manequim
Como se um poeta nunca mais amasse
E se a lembrança que o habitasse
Fosse a estória bela que não teve fim 


Fábio Roberto

HEIN?

Faço poemas pras Musas
-Sacana!
Chamo uma puta de puta
-Canalha!
Digo-me maldito errante
-Psicopata!
Tinjo-me de suavidade
-É gay!
Cortejo quem me atrai
-É casada!
Desdenho quem me enoja
-Vai lá!
Agrido quem merece
-Violento!
Revelo as verdades
-Tarado!
Vomito a sociedade
-Hipócrita!
Isolo-me nas festas
-Estranho!
Sorrio pra desgraça
-Interna!
Choro um romance
-Piegas!
Acendo uma paixão
-De novo?
Esqueço uma paixão
-De novo?
Tranco o coração
-Que é isso?
Faço uma canção
-Trabalha!
Brindo por viver
-É bêbado!
Distraio-me sonhando
-Drogado!
Desejo só morrer
-Suicida!
Eu olho para frente
-É surdo!


Fábio Roberto

DEUSA

Ainda não sei o sabor
Do beijo que ontem sonhei
Passeando pela paisagem
De mãos dadas com uma deusa

Eu lembro que havia o canto
Da natureza espantada
Com a paixão que nascia
E o coração desejava

Os pés nem se cansavam
Amantes assim flutuam
Parecia tudo real
Os olhos clareando a noite

Não precisamos palavras
O sentimento entendeu-nos
Aquecendo em abraço tão forte
Que a vida se despertou

Movimentando a lua
Do céu para outro tempo
Nascendo um dourado dia
Feliz por abrir os olhos

E admirar o teu rosto
Sorrindo e era apenas sonho
Lugar onde eu te beijei
E onde eu sei o teu gosto


Fábio Roberto

09.08.17

UMA

Eu bebo muito. Falo exacerbadamente. Emudeço eternidades. Ninguém me alcança. Mas você canta e eu me ultrapasso.  Faço músicas compulsivamente. Tenho tesão de tarado. Escrevo insanamente. Bebo muito. Tenho pique pra 24 horas de papos ou trabalhos. Mas não tenho 24 horas. Sou um segundo.  Tenho ansiedade. E mantenho a calma porque morri a pressa.  Não tenho ódio. Apenas sou revoltado com este mundo medíocre. Bebo pouco pelo que tenho de sede. Vivo pouco pelo que tenho vontade de viver. Sonho muito pelo que tenho de vida. Bebo bastante. Tenho sede que não passa. Tenho fome de canibal. Animal. Uivo e sou gente.  Eu sou ninguém.  Sou tudo. Sou mais intenso que fogo. Fico de fogo, mas sóbrio. Sóbrio eu enlouqueço. Sou além de nada. Eu amo. Eu te amo. E amei além de paixão. Amor. Amorte. Eu me queimo e quem chega perto queimo violentamente. Mente. Minto. Eu sou todo verdade. Tem mulher que acendi e vai ferver eternamente. Tem mulher que me apaguei. Nenhuma me apagou. Bebo muito. E te beberei toda.  Você ta chegando agora. Muito prazer, este sou eu. Saiba. Eu te desejo tanto que vou fazer mais uma canção de amor. Só prá você.

Fábio Roberto

O ANO NOVO

O Ano Novo resolveu não nascer. De soslaio perscrutou o ambiente e resolveu continuar no casulo. Não gostou de nada do que viu. Que adianta chegar e tudo ser igual ou pior? Para que novamente tantas falsas promessas ou esperanças que seriam frustradas? Que ficasse tudo como estava, o Ano Velho se perpetuando coberto de insensatez, injustiças e maldades. Quem sabe a realidade se tornando tão cruelmente perene, pudesse em algum momento a vida sorver com a língua suas lágrimas.

Decidido e irredutível, o Ano Novo fechou os olhos e adormeceu na manhã do último dia do Ano Velho. Este, ancião em frangalhos e com a alma carcomida pela dor, desesperou-se e gritou implorando descanso aos céus. Os Senhores do Tempo, subitamente surpreendidos pela inusitada ação do Ano Novo, convocaram uma reunião com todos os Anos Antigos, que estavam muito mais antigos, pois desde que o mundo se tornara mundo um se somava ao outro sem recesso, portanto o ano I era o Pai de Todos. O Pai de Todos os anos falou aos Senhores do Tempo que aquilo era inadmissível, um absurdo, uma afronta. Como aquele rebento que nem saíra ainda das entranhas da mãe eternidade se rebelava contra a lógica da existência? Exigiu uma providência enérgica falando em nome de todos os Anos Antigos e principalmente pelo Ano Velho atual, que tremia em espasmos desesperados, numa espécie de Parkinson aflorado pelo medo. Mas o que os Senhores do Tempo poderiam fazer? Não havia como obrigar o Ano Novo acordar se ele não quisesse. A situação foi piorando e ficando catastrófica, pois no planeta os preparativos para as festas da virada do ano prosseguiam despreocupadamente, até que o Ano Velho avisou que exatamente à meia-noite também adormeceria para o horizonte.

E assim aconteceu. Sob os olhos estupefatos dos Senhores do Tempo e defronte aos boquiabertos Anos Antigos, o Ano Velho deitou-se em nuvens ao lado do Ano Novo, apagando-se rapidamente. Silenciosos e num sono profundo, ambos passaram a sonhar o mesmo sonho: um tempo que merecesse ter continuidade. Ninguém ainda percebeu que desde aquele dia o ano não muda, não vai pra frente nem retorna. E os dois ainda estão lá, sonhando. Quem sabe desta vez, quem sabe desta vez o Ano Novo acorde...

Fábio Roberto

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

A EXPERIÊNCIA

Nos tempos de outrora certamente fui um notório pistoleiro e assassino. Atirava primeiro para perguntar depois. Porque hoje as pessoas de imediato me encantam ou irritam e muito mais me irritam que encantam. Claro que existiram aquelas que me encantaram de imediato e depois me irritaram eternamente. E outras que mesmo tendo recrudescido o encantamento inicial, aí sim, pacientemente, entabulamos um namoro até a paixão se restabelecer. Mas o fato é que meu encantamento e minha irritação inicial dificilmente erraram e erram.
Mas com o passar dos anos, após tantos relacionamentos amorosos ou somente sexuais, filhos, netos, trabalhos, desempregos, mortes, festas, músicas, amizades, inimizades, poesias, alegrias, decepções, idas, vindas e paradas, a sabedoria da velhice está se aproximando e então percebi que não precisava ser como eu era:
bastava atirar e nem perguntar depois!
Fábio Roberto

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Do Livro das Letras - SEM MOTIVO (2008) (canção perdida)

Madrugada assiste o meu cansaço
Vislumbro qual destino em um bocejo
Pergunto a mim mesmo o que desejo
Viver ou adormecer feito um bagaço
Cítrico de suco já espremido
Crítico de sangue já exaurido
Artístico de um palco escarnecido
Artrítico de um corpo envelhecido
Escolho não saber mais quando vivo
Procuro nem saber se adormeço
E fico assim parado sem motivo
Olhando pro infinito até que esqueço

Fábio Roberto

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

DO livro das Letras - Aqui Jaz

AQUI JAZ – Fábio Roberto

Marcha fúnebre criada para os mortos vivos, aqueles seres que foram devorados pela insalubridade dos seus destinos e permanecem perambulando, trabalhando, comendo, respirando e existindo sem presente ou futuro. Apreciava apresentar a canção em momentos festivos e alegres dos eventos, transtornando as mentes, amarelando os risos, deixando o clima sombrio, lúgubre e silencioso. Alguns mortos vivos despertaram e abriram os olhos momentaneamente nessas ocasiões, para depois voltarem ao sepulcro de seus próprios corpos.

AQUI JAZ (musicada em1980)
Um céu escuro,
Raivoso,
Colérico.
Flores mortas pelo caminho
Tétrico,
Tenebroso.
O som está mudo.
Não há choro
Neste funeral resignado.
Nem as moscas se aproximam
Do cadáver de um vivo.


Fábio Roberto