quarta-feira, 15 de maio de 2019

A MORTE

Chega uma idade provecta em que nada mais cura, nada cola, nada conserta, nada melhora. Seja o dente dolorido, a costela trincada, o músculo rompido, o pulmão comprometido que não para de tossir a poluição da vida. Os olhos vão se apagando das paisagens e a disfunção erétil acaba superando o desejo, cedo ou tarde, apesar de lunetas ou comprimidos. O coração partido está partido pra sempre, não há mais retorno, pois a amada de alguma forma morreu. A alma vai se deslocando pouco a pouco no corpo que habita e não se ajusta mais, causando desconforto até se desligar dele totalmente.
Só o cérebro, mesmo o mais demenciado pela senilidade, permanece perfeito. Porque se é lúcido passeia pelo tempo através das memórias, apreciando o sabor da saudade e das alegrias vividas e se aborrecendo com as dores da experiência. Se já foi acometido pelo esquecimento, também viaja pelo eterno, e mais livre ainda, sem medos, aproveitando a confusão mental para criar ou reescrever a sua história conforme queira.
A morte acontece quando nem a história se lembra de nós.
Fábio Roberto