terça-feira, 25 de novembro de 2014

FIEL

Sou mais fiel do que o alcoólatra a pinga e muito mais do que o cão ao dono.
Do que o mar a praia, do que as estrelas ao céu, do que a mata a chuva, do que os chinelos aos pés, de tudo isso sou extremamente mais fiel.
Nem se compara a minha fidelidade com a do lençol a cama, da tomada ao plug, da gasolina ao carro, do travesseiro a cabeça.
As fidelidades do sangue a veia, da saliva a boca, do rato ao queijo, da lavra ao vulcão também não chegam perto.
Eu sou fiel além do que um filho ao pai, do que o dinheiro a carteira, do que um rio ao leito, do que a notícia ao jornal, do que os óculos aos olhos.
E mais ainda do que a folha a árvore, a terra ao chão, a vingança ao ódio, a lágrima a tristeza, a palavra ao poeta, a fome ao seio, a vontade a ação, o fogo ao carvão, a bunda ao sofá, a fé a certeza, o fanático ao time, a esperança ao futuro, o covarde ao medo, o amor ao coração, a voz a garganta,  a honestidade ao princípio, o trigo ao pão, a lua a noite, o poeta a madrugada, o anel ao dedo, a paisagem ao retrato, o frio ao inverno, os dentes ao riso, a vida a morte, o telhado a casa e, finalmente, absurdamente mais fiel do que a crase ao a.

Para que eu não seja fiel é preciso que o vento traia ao ar, a paixão ao sentimento, o etcétera ao incompleto, as reticências ao eterno.

E do que o alcoólatra a pinga, o cão ao dono...



Fábio Roberto

sábado, 19 de julho de 2014

AQUI

O que será de nós


nesta terra devastada
natureza morta, pedra dura
alma triste, fria, escura
visão turva, aleijada
trovador sem voz?

O que será de nós agora

sem futuro ou esperança
bicho errante, carcaça
ruína, poeira, desgraça
valsa que ninguém dança
dor que a mente devora?

O que será de nós agora que chegamos

superando prece e morte
vida, destino e tempo
carregados pelo vento
à procura de melhor sorte
utopias, sorrisos, reclamos?

O que será de nós agora que chegamos aqui?



Fábio Roberto