sábado, 4 de fevereiro de 2023

O CORTE

 O CORTE

É impressionante que tive uma vida onde pratiquei esportes e artes marciais, enfrentei brigas por donzelas e participei de centenas de aventuras perigosas, sem me machucar seriamente, nem quebrando o dedo mindinho. Aí, ao envelhecer, achando ainda ser atleta, fui saltitar na escadaria do prédio pulando degraus e caí, lesionando o ombro direito, que levou um ano para curar pela ação do tempo. Recentemente feri o ombro esquerdo, que levará mais um ano de auto recuperação, mas foi um acidente tão sem graça que não vou contar, porque prefiro relatar sobre... “O Corte”:

Dia destes eu peguei o barbeador, aquele aparelhinho com uma haste e laminazinhas paralelas acopladas, quando subitamente o maldito escapou da minha mão e voou, enquanto eu, afoito, procurava pegá-lo antes dele se espatifar no chão, mas ele quedou-se ao solo soltando as lâminas da haste. Ágil e impetuoso, alcancei a parte das giletes, imediatamente sentindo uma dor lancinante. As agressivas chapinhas perpetraram um profundo corte no meu dedão esquerdo, ocasionando uma dor que parecia a de uma amputação sem anestesia. Como doeu esse talho. Mas o pior foi o sangue se esvaindo como se fosse cachoeira, apesar dos meus esforços em jogar litros de água oxigenada e cobrir o dedão com gazes e faixas de pano. O terrível é que eu queria fazer a barba de dias, então encaixei com relativa dificuldade as afiadas na haste. Ao usar o aparelho, descobri que encaixei as canalhas ceifantes de pelos ao contrário. E quem disse que elas sairiam dali? Como não consegui me barbear ao inverso, resolvi consertar o engano. Inicialmente não medi forças, infelizmente sem sucesso, depois tentei com paciência exemplar, jeito e delicadeza, até que explodi de raiva e pensei. Se o celerado desconjuntou-se caindo, vai ter que ser assim de novo. Joguei o desalmado para cima, esperei despedaçar-se no cimento e ele incrivelmente ficou intacto. Colérico, eu o atirei na parede violentamente e nem assim o nefando se quebrou. Desisti e fui pra rua sem me barbear.

O fim desta tragédia foi que a dor gigante do pequeno corte persistiu por três dias, mas como bom leonino enfrentei o drama sem reclamar. A hemorragia levou uma hora para estancar, ocasião em que eu já estava pedindo bolsas de sangue para reposição. Agora, estou decidindo ficar cabeludo, bigodudo e barbudo novamente, como mostra a foto meramente ilustrativa, em protesto veemente contra os fabricantes desses aparelhinhos desgraçados!

FÁBIO ROBERTO