quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

MORENA

 

Não me procure, morena, esta é a noite sem lua.

Nem tente ouvir o meu canto.

É só o vento assoviando ao varrer as ruas vazias.

As palavras dos poemas viveram os seus momentos,

Agora resta apagarem como o fim de uma vela

E que a escuridão abrace tudo em volta.

 

Não me espere, morena, esta é a noite sem lua.

A paisagem à frente não vale o sonho.

Se cair uma lágrima é tempestade

E deve haver um tempo melhor por aí.

Corra pra longe da armadilha que te apresento.

Sabemos que ser feliz assim é impossível.

                                             

Não me siga, morena, são sem rumo os meus passos.

A paixão nunca morre, mas será que isso é bom?

Eu não quero que sofras, deixe isso em mim.

Não se lembre do beijo que nunca acabou

E do arrepio em seu corpo, que nunca passou.

Não me olhe nos olhos, deixe a noite sem lua, morena.

 

Fábio Roberto



quarta-feira, 29 de setembro de 2021

QUASE

 ... e foi assim que acordei naquele dia decidido a nunca mais amar, eu deletaria os poemas inspirados pelas musas que me invadiram pra depois desaparecerem subitamente, restando-me um coração devastado e apagaria as canções que eternizavam essas paixões poderosas e instigantes de outrora, que seriam levadas pelo vento a lugar nenhum, como um eco que fora se desfazendo no ar até sumir, tempestade que se tornaria brisa deixando silêncio, sombra, uma solidão de náufrago sem nem mar, céu ou sentimento e assim acordei e tinha decidido fazer isso, nunca mais amar, prostrando-me no frio congelante e miserável que a minha alma percebia, e eu flutuava no vácuo desta mente desprovida de memória, saudade, alegria ou dor, e exatamente nessa hora, quando eu já era absoluta ausência, inverso de qualquer futuro, sem localização, história, espaço, referência ou medo, apenas os olhos insistiam em permanecer levemente abertos, lutando ainda contra o cansaço ao qual eu me entregara há mais tempo do que a minha idade e eu pedia para que os meus olhos se fechassem e me deixassem morrer a esperança, afinal eu decidira nunca mais amar, sofrendo para alcançar essa firmeza ao ponto sem volta, sem possibilidade de revisão, pois não era mais ensaio, era estar nas luzes do palco, era o momento em que a derradeira declamação atinge o clímax da poesia e o último canto soa retumbante aquela nota que define a beleza da música, portanto o segundo em que é impossível retroceder, pois impusera-se o definitivo, mas uma fresta de olhar ficou brilhando, brilhando, mesmo sem paisagem pra admirar ou lágrima pra derramar, na verdade permaneceu quase sorrindo, talvez, indiferente a qual motivo fosse e não seria ironia eu acordar e decidir nunca mais amar e você, justo nesse instante, se deitar ao meu lado?

Fábio Roberto



domingo, 3 de janeiro de 2021

CENA

Não fiz a tradicional música do primeiro dia do ano,
Poema algum eu escrevi
E na verdade não me surgiram pensamentos ou saudades.
Há uma longa falta de tempo pela frente,
Tudo acaba ficando na vontade e só respirar é necessário.
Há uma longa falta pela frente,
Dessa vontade ou perícia, oportunidade perdida,
Desejo que se suicida feito o de um kamikaze
Que entrou de gaiato nesta estória
Deslocada de senso ou sensibilidade.
Há um longo vazio pela frente,
Mas que será preenchido cedo ou tarde ou noite ou madrugada,
Antes que eu durma ou no momento em que eu acorde dissonante
E saia andando como sempre, sem eira nem beira,
Até que o combustível do corpo evapore.
Porque este coração não tem estepe e os meus passos são cada vez mais...
Curtos, grisalhos, cansados como fim de outono,
Quando a vitalidade se esgotou e caíram todas as folhas, em branco,
E nem mesmo uma última tragada pra minimizar o drama num cigarro é possível,
Pois parei de fumar. Isso deixaria a cena melancólica, mas bonita.
Fábio Roberto