sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

SÉRIE CRÔNICAS

A ESTÓRIA DE UM CACHIMBO

Tudo começou em um sarau regado a vinhos. O Sarau da Guaicanãs é um famoso encontro notívago de artistas cultivadores da sensibilidade do espírito, o que fazem etílicamente apreciando poemas e músicas consideradas de alto nível. Eu falo cultivadores do espírito, porque com o corpo ninguém se demonstrou preocupado nesse último evento,  tamanho o desespero do vício inebriante de tantos fumantes de cigarros, raça da qual recuso-me a pertencer oficialmente, pois que não sou viciado como eles e o cigarro, ao contrário do néctar de Baco, não oferece prazer a um paladar sofisticado, muito menos proporciona um aroma delicado aos equipamentos olfativos mais exigentes. Dele, o cigarro, sempre resta apenas a fumaça que um incauto não consegue transferir para os seus pulmões e a despeja ao ar  e às narinas alheias, feito mais um dos dejetos não aproveitados pelo próprio metabolismo, esse uma espécie de pum cancerígeno. Como nunca fui um fumante oficial – não há como admitir pertencer a essa estirpe ralé -, nos períodos em que me entrego a sorver free longos, o faço compulsivamente, maço após maço, numa demonstração inequívoca de que será somente mais aquele trago e nunca mais. Esclarecida essa possível dúvida, ponho-me a relatar que nessa noite do tal sarau regado a vinhos, certo momento em que a névoa do tabaco tornou-se menos densa, divisei um personagem postado pacatamente e longínquo daquela sanha vaporosa. Com sua pose intelectual, cabelos desgrenhados a exemplo de um einstein e sua espessa barba que lembrava uma barba de capitão de  caravela desbravadora de oceanos desconhecidos, esse ser destacava-se do ambiente degustando tranquilamente o seu cachimbo como se nem estivesse ali. Provavelmente não estava, comparecia somente ao desligar-se de sua sintonia etérea para beber vinho, namorar,  brindar-nos recitando versos e dedilhar teclados de marfim (de marfim, pelo menos para ele e para este cronista). Ao ver essa cena discrepante ao todo da paisagem, imaginei que podia eu ao menos ser um tripulante da ousada caravela, manifestando esse desejo a minha amada, que prontamente patrocinou-me a aquisição de um cachimbo, sem o qual não poderia zarpar para a aventura. Calma, leitores, a estória do cachimbo já vai começar. É que depois de várias tentativas para acender o fornilho, estou fazendo uma pausa para tragadas comedidas no tubo aspirador do meu cachimbo, tal qual faz o capitão da caravela. Continuando, confesso que não está sendo fácil essa transformação. Sei-me um extremado ansioso, mas reputo que considero-me totalmente controlador de meus eventuais ímpetos raivosos, posto que aos cinquenta e um anos de idade e avô de gêmeas geminianas, meditei a respeito do equilíbrio latente que me impele a dominar os anseios perversos que poderiam provocar uma reação intempestiva às ações da vida. Reações que não combinam mais com o atual momento evolutivo da minha personalidade. Voltando a estória do cachimbo, para economizar os proventos da amada, comprei o que fui saber depois, o mais vagabundo dos mais vagabundos dos mais vagabundos fumos vagabundos que poderia adquirir. Ainda não dotado de conhecimento a respeito do novo brinquedo de adulto, a inaugural tentativa de pitar foi um desastre. Primeiro, como colocar calmamente o fumo no cachimbo se ele não para em pé? Cerquei-o de livros na altura necessária e, aí sim, após respirar fundo para tornar-me zen, fui despejando devagarinho com a pazinha adequada e, com o socador, fui compactando o fumo no devido compartimento. Sobre o socador gostaria de dizer que quase o utilizei para socar a cara da vendedora do fumo mais vagabundo dos mais vagabundos dos mais vagabundos fumos vagabundos, porque além de vagabundo,  ela tentou empurrar-me um de sabor chocolate. Contive na hora o soco, afinal tudo isso era para provar-me a maturidade. Levei um de sabor rum. Descobri depois que o fabricante omitira o “i” entre o “u” e o “m”. Após colocar metade do fumo, pensando que deveria deixar espaço para incendiar o tabaco, peguei uma caixa de fósforos que gastei inteira sem acender o maldito vagabundo sabor ru(i)m. Sem querer me dar por vencido, fiz com uma pequena madeira uma espécie de cotonete/fósforo e acendi para tragar e tossir que nem uma vaca. Sim, como uma vaca, porque diz o ditado popular.... “nem que a vaca tussa”, então, mesmo que não fumem, as vacas se tossirem tossirão os pulmões fora. Traguei violentamente. A droga apagou. Reacendi. Traguei mais violentamente ainda. Tossi que nem uma vaca tossiria. Apagou. Quase joguei o cachimbo longe, mas evitei porque já sou avô e equilibrado. Nessa hora percebi também que não tenho uma barba uniforme e não sei se combina fumar cachimbo sem uma barba espessa, porque posso fazer a pose intelectual e os meus cabelos são mais desgrenhados que o interior da selva amazônica. Mas recordei também que sou um contestador dos padrões vigentes, portanto danem-se as barbas espessas. Resolvi continuar com a estória do cachimbo, mas realmente eu estava prestes a desistir, devido às dificuldades para fumar a novidade e a ruindade do rum. Entretanto a minha amada, ao saber que eu estava prestes a capitular e buscar um pacote de free longo, com seus olhos meigos e sorriso irresistível perguntou-me se eu desistiria assim tão fácil. Aquilo mexeu com meus brios leoninos. Rugi internamente e respondi, também sorrindo, que nunca desisto. Comprei um fumo irlandez, o mesmo que o capitão da caravela utiliza. e pasmem! Seguindo todos os procedimentos corretos, socando o irlandez até transbordar e usando um isqueiro, queimei o fumo e consegui pitar quase oito minutos,  tragando sem parar para não deixar apagar. Ainda não estou fumando o cachimbo como um especialista, pois há um processo de aprendizagem a passar, mas esta noite o farei de novo. Enquanto isso, vou fumar um free longo, mas só mais este, só mais este....

Fábio Roberto

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