segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

SÉRIE CRÔNICAS

O QUE AS LENTES NÃO CAPTAM

Leandro e todas as suas idades sobem ao palco. Como definiu Edu Gomes, para poetizar com tanta sabedoria só uma alma muita antiga vestida de um jovem de luz. Outro jovem, o anfitrião André, tentando envelhecer a aparência com sua barba rebenta, recebe todos com braços abertos no sorriso largo. A cada cerva destampada as nossas gargantas gargalham, regadas de inspiração. Enrique e Marili comparecem ao evento. Se você não acredita em almas gêmeas é porque não conhece Enrique e Marili. Não foram feitos um para o outro, um fez o outro. Certamente eles se desenharam e fugiram do papel para a realidade. Márcia aguarda o palco vir buscá-la. Sim, porque Márcia não sobe ao palco, é o palco que sai do seu espaço limitado, vai até ela, coloca-a em cima dele com suavidade e reverência e a carrega para iluminar o ambiente ao interpretar cada palavra-melodia intensamente, como nem o compositor-poeta jamais imaginou. Enquanto isso a adorável Thati borboleteia sua simpatia pelo bar e pela turma toda. A prima do Lê, de sangue e amizade. E Leandro segue cantando, dedilhando as emoções que vão alimentando e fortalecendo nossos corpos famintos de vida, sedentos de momentos de paz. Márcia canta outra música. Eu, fisicamente presente, me transporto para longe. Não sei se para ontem ou se para amanhã. O tempo não existe ao ouvir Márcia cantar. Existe apenas o sempre. Subitamente o local recebe energias e vibrações de Mestre. Carlos Barbosa e sua alegria chegam para contagiar a todos. Carlão é tão gente boa que se um dia você achar que ele pisou na bola com você, a culpa toda é da sua bola que deve estar carcomida e furada. Jogue-a fora imediatamente e aproveite o Carlão. Marili desde que chegou se esconde das fotos, nem desconfiando que cada vez que ela pisca eu preciso dos meus óculos escuros, porque dela saem flashs e flashs e flashs. E o Enrique com aquele sorriso de nenê? Já repararam no sorriso de nenê do Enrique? É outra barba-disfarçe, pois tantos anos ensinando a moçada transformaram o rosto dele em um rosto de criança. Seria esse o elixir da juventude? Márcia e Leandro cantam em dueto. Impressionante a sintonia desses dois. Para mim essa é a essência do amor verdadeiro, cúmplice e absoluto.
E nós temos o privilégio de compartilhar, porque eles são generosos em espalhar os seus talentos por aí. Pausa no som. Neto fica sentado na cadeira, quieto, olhando para o palco momentaneamente vazio, ainda saboreando melodias. Alê Ferraz, para recuperar o coração das emoções vividas e sonhadas ali, pega o maço de cigarros e o isqueiro. Imediatamente toda a incrível turma que foi prestigiar Leandro, a que fuma e a que não fuma, vai ao fumódromo interagir fumaças, papos, perfumes, abraços, paqueras, palhaçadas. Depois voltam todos para as mesas porque quase cinqüenta anos de história aparecem. É um Jairo diferente o que aporta o barco. Um Jairo comedido em comentários, econômico em brincadeiras. De repente o peso do aproximado cinqüentenário o fez meditar profundamente sobre os próximos carnavais. Mas quando Rosana surge imponente pela entrada o novo ancião reage, esboça um gracejo, fica aparentemente normal. Logo depois Sarah, a Musa Leandrina, vem abrilhantar a face do amado. E como ela a faz incendiar! E Leandro, mesmo tocando e cantando tudo observa, tudo escuta. Depois dos eventos, quando vou contar a ele os acontecimentos, ele já sabe. De quantos cérebros Leandro é dotado? No adiantado da hora Marili praticamente cansou de se esconder das fotos, mesmo porque Enrique e Carlão foram acometidos pelo transtorno-compulsivo- fotográfico. Não dá para ela lutar contra o grupo. André sobe ao palco e manda ver na percussão. Casais começam a dançar. Celi samba no pé com sua graciosidade oriental. As cinco horas desta happy hour estão chegando ao fim. É feito o terceiro pedido para Márcia e Leandro executarem Tenho Fome. Lá vou eu viajar para um lugar que eu sei que existe. Eu, minha máquina fotográfica, meus olhos da carne e meus olhos do espírito que registraram tudo, para tudo o que a gente nem viu permanecer eternamente pulsando em nós.

Fábio Roberto - breve relato de um Happy Hour com Leandro na Cantina dos Músicos

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